O mundo preocupante

A aproximação das eleições, em qualquer dos países da União Europeia (UE), não pode deixar de incluir nos debates a situação preocupante do mundo e da sua pequena parte que é a Europa, onde está situado o nosso pequeno país, com interdependências que tendem para o distanciar da indispensável igualdade na comunidade internacional durante um período não previsível, seja o que for aquela igual dignidade, tão difícil de definir na espécie de anarquia que caracteriza o globalismo. Os analistas sublinham que a situação em África se aproxima do conceito de "guerra em toda a parte", que novas potências da Ásia estão implicadas, diretamente ou pelas interdependências, em confrontos de interesses que podem degenerar. Quanto ao Ocidente são inquietações do mesmo tipo que ajudam a compreender que surjam tão numerosos estudos sobre "a guerra que acabou com a paz" em 1914, também em 1939, ao mesmo tempo que os factos, sempre mais rápidos do que a compreensão, surpreendem os projetos e os normativismos em vigor, com a Rússia a proclamar-se realmente como Império do Meio, proclamando as fronteiras de interesses invioláveis, e explicando o sentido do conceito com o desastre humano que provoca na Ucrânia. O esquecimento da observância da regra do mal menor levou aos desastres do Iraque, do Afeganistão, e da morte de Kadhafi, ao mesmo tempo que os equívocos movimentos democráticos do mundo muçulmano são ultrapassados pela invocação da memória secular assumida pelo Estado Islâmico do Iraque e do Levante, fazendo declarações que dificilmente podem não ser lidas como declarações de guerra. A lista de riscos, ou de agressões em curso, que decorrem num quadro de crise económica e financeira global, é facilmente enriquecida de referências, mas estas parecem suficientes para que os responsáveis, entre os quais não se encontram facilmente estadistas da grandeza dos que conduziram a última guerra mundial, e procuraram definir uma estrutura de segurança e desenvolvimento que evitasse a repetição do desastre, sendo claro que a estrutura seguida exige revisão urgente. A começar pela ONU, a qual, não obstante os serviços que presta em várias áreas, parece ter perdido as esperanças postas, por exemplo, no Conselho Económico e Social, aceitar resignada a improvável ou até inútil reconstrução do Conselho de Segurança ultrapassado pela atual composição, assim como a UE parece esquecer que não está isenta de considerar-se relacionada com aquela estrutura, e se mostra incapaz de definir um conceito estratégico, absorvida a imaginação nos orçamentos e no esforço de tornar úteis as conclusões da vasta eurocracia que suporta os órgãos de decisão, sem assumir as consequências estratégicas da questão da Grécia. E todavia o facto regional que representa devia ser o paradigma de referência de outras regiões do mundo, onde os Estados perderam grande parte das capacidades que integravam a antiga soberania, e que necessitam de encontrar as alianças, ou uniões, ou federações, não necessariamente segundo os modelos históricos, mas consultando a inspiração que os guiou, para intervirem com voz escutada a favor dos interesses dos seus povos e do bem comum global que todos devem defender. A Europa foi durante longos períodos a chamada Luz do Mundo, que não precisava que fosse uma gestora do resto do mundo, para assumir uma intervenção correspondente às suas capacidades e valores. De facto, a expressão antiga perdeu sentido, mas o que persiste é a realidade a exigir que o regionalismo, uma forma adequada às circunstâncias deste século sem bússola, definitivamente se consolide e afirme. O funcionamento efetivo do relacionamento europeu com o globalismo parece procurar por vezes preferir o apelo à memória para repor o passado, de que para redefinir o futuro, com imaginação criativa de estadistas que consigam aproveitar a memória desse passado para não reincidir na desorganizada marcha com que veio a criar o império euromundista que desabou com sofrimento generalizado. O princípio exigível é o da cooperação, não de novas hegemonias.
Adriano Moreira in dn.pt