Nem todos os muros que atualmente se erguem na Europa são diplomáticos, financeiros ou ideológicos. Não muito longe daqui, não muito longe de Bruxelas, está a ganhar forma um muro higiénico, de betão. Uma barreira civilizacional que o Velho Continente julgara ter riscado da História em 1989, com a queda do Muro de Berlim.
Incapaz de lidar com a torrente de refugiados que, todos os dias, usa o seu território como porta de entrada na Europa, o Governo húngaro resolveu o problema à maneira antiga, construindo, na fronteira com a Sérvia, uma parede com quatro metros de altura e 175 quilómetros de extensão (sensivelmente, a mesma distância por autoestrada entre o Porto e Leiria). Com este tampão securitário, a rota dos Balcãs ficará, assim o espera o Governo populista de direita de Budapeste, amputada da sua maior plataforma.
São sobretudo sírios e afegãos a pisar este caminho. Gente que foge da guerra. Sobreviventes num mundo que nos está, a nós, europeus, tão distante na essência. E no entanto tão perto na consequência.
Se em 2012 apenas duas mil pessoas cruzaram ilegalmente esta fronteira, prevê-se que até ao final do ano sejam 130 mil os refugiados a fazê-lo. O que, num país com a mesma população de Portugal, pode ser considerado um fardo insuportável. Desde 1945 que o Mundo não assistia a um movimento tão intenso de refugiados. Estima-se que cerca de 60 milhões de pessoas tenham sido forçadas a abandonar a sua casa, o seu país. O seu futuro. Uma gigantesca nação deambulante de desesperados para os quais a Europa ainda não encontrou resposta. É mais fácil construir fortalezas do que soluções.
Um muro tem várias formas. Pode ser de betão, pode ser um simples papel, uma religião. Pode ser apenas a barreira intransponível que separa os que podem dos que não podem. Entre o muro que os húngaros começaram anteontem a erguer e o muro alto de onde lançaram a Grécia para uma vala comum, há um certo, e perverso, paralelo. Aquele que dita que, no Velho Continente, mandam os ricos e obedecem os pobres. Sejam eles refugiados a quem não é permitida a entrada. Sejam eles reféns a quem não é permitida a saída.
Pedro Ivo Carvalho in JN.pt