A cruz do voto

Não compreendo a abstenção. Não há argumentos válidos para não exercer o direito de voto, uma das belas formas de liberdade. Só não votei uma vez, nas autárquicas de 2001, porque o gesso pesado na perna esquerda ainda estava fresco e a cabeça girava com a medicação. Mesmo assim, senti que devia ter pedido desculpa à minha mãe que esperou pelo 25 de Abril para votar sem restrições. Desde então, nunca deixou de o fazer. E se tudo correr bem, com 91 anos voltará a "botar a cruz" no próximo 4 de outubro. "Se escolher mal, paciência", diz, tentando perceber a velocidade das notícias por estes dias. Não percebe. Mas vota. "É meu dever", alega. A nossa consciência vive limpa porque não estamos entre os mais de 66% que não votaram nas europeias de 2014 nem entre os cerca de 42% que esqueceram as legislativas de 2011. Consegui, até hoje, convencer as gerações mais novas da família a usar esta forma de liberdade. Mas ando assustada: ouço algumas "ameaças" que, desta vez, a cruz no voto poderá ser esquecida. Não vou esmorecer na missão. Falarei em cenários onde as escolhas, quase sempre contra o que defendemos, são feitas por outros, insistirei no valor da cidadania e farei cara feia antes de dizer que a cruz do voto tem peso nas nossas vidas. Será essa a minha cruz. Sempre.
Margarida Fonseca in jn.pt