A fraude do planeta limpo

Afinal, todos sabiam. Os automóveis do rótulo verde são, no fim de contas, tão negros como os que circulavam nas estradas no tempo em que o controlo de emissões estava à margem do discurso. Todos sabiam e fizeram de conta. Agora, continuam unidos mesma cena: estão indignados, dizem. Quinta-feira, os ministros da Indústria da União Europeia reúnem-se para debater o escândalo Volkswagen. Prometem tolerância zero à "fraude", e garantia de que o controlo da situação cabe às autoridades dos estados-membros". Já o era, e pouco ou quase nada foi feito.
Não deixa de ser irónico: o escândalo irrompeu nos Estados Unidos, nessa geografia onde as preocupações ligadas ao meio ambiente, pelo menos em determinados setores, ficam muito longe do lugar de charneira ocupado pela UE. Mais uma ilusão, provavelmente. Algo de contraditório existe, pois, nas preocupações relacionadas com as emissões poluentes, na União Europeia, onde existem metas ambiciosas de redução, é difícil de explicar a indiferença perante o problema conhecido, pelo menos desde 2013, nos corredores de Bruxelas.
A fraude, sabe-se agora, poderá estender-se a outras marcas. A Audi, a Seat e a Skoda, do mesmo universo empresarial da Volkswagen, terão de igual modo viciado o sistema. E não ficará por aqui a manipulação dos fabricantes de automóveis. Ontem, um estudo da European Federation for Transport and Environment, entidade que trabalha com a Comissão Europeia, denunciava que também a Mercedes, a BMW e a Peugeot distorcem dados relativos à emissão de gases poluentes.
A confiança dos cidadãos sofre, sem dúvida, forte abalo neste alegado combate por uma Terra limpa. A redução de gases com efeitos de estufa é uma das frentes mais importantes nessa luta. Não serve apenas para as empresas criarem imagem favorável de responsabilidade social e ambiental. Serve para minimizar e proteger o planeta: coisa de pouca importância. Já os impostos que os estados deixaram de receber por os automóveis se apresentarem como ambientalmente sustentáveis, amigos do planeta, deveriam ser olhados com seriedade pela Comissão Europeia. Em vez da proposta reincidente de assaltar os bolsos dos cidadãos, como ontem deixou em aberto em plena campanha eleitoral, deveria criar mecanismos capazes de punir, e fazer pagar, quem infringiu as regras de forma consciente. Mas essa é uma posição que talvez devamos excluir das nossas expectativas - os mercados iriam, por certo, reagir mal.
Paula Ferreira in jn.pt