Criatividade e Filosofia

O estudo quer-se criativo, aberto a novas ideias, crítico e formativo. E a filosofia é uma disciplina cujo estudo perde o sentido se não se orientar por estes ideais — porque ao contrário do que acontece noutras disciplinas, não há "A Filosofia" para ser estudada. Há apenas os problemas filosóficos e as diferentes teorias e argumentos que os filósofos apresentam, não havendo uma "síntese" ou um consenso que se possa estudar como "A Filosofia". Na filosofia, está-se quase desde o início nas fronteiras do conhecimento. Por isso, é necessário aprender a filosofar e não aprender uma ou outra filosofia — a preferida do professor ou dos autores dos programas do ensino secundário. E aprender a filosofar é aprender a discutir os problemas, as teorias e os argumentos apresentados pelos filósofos — e não aprender a repetir as ideias dos filósofos.
Dado que não é possível discutir correctamente ideias filosóficas sem saber lógica, saber lógica é uma condição necessária — mas não suficiente — do estudo de qualidade da filosofia. Sem a disciplina argumentativa que a lógica proporciona, a discussão filosófica nunca atinge o nível de interesse, sofisticação e criatividade que se vê atingir nos grandes filósofos ao longo da história — pois não é razoável esperar que todas as pessoas tenham a intuição lógica dos grandes filósofos do passado; nem é possível ir mais longe do que foram os grandes filósofos do passado se não tivermos à nossa disposição instrumentos mais aperfeiçoados do que eles tinham.
Assim, para que se possa enfrentar a filosofia de forma criativa, é necessário estudar os instrumentos críticos elementares que permitirão formular com clareza os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia, e que permitirão adoptar uma postura crítica — defendendo cada estudante as suas próprias ideias com bons argumentos. A arte da filosofia é a arte da fundamentação das nossas ideias recorrendo a argumentos sólidos, criativos e inteligentes. Dominar essa arte é ter a capacidade para distinguir os argumentos com essas características daqueles que não as têm, e ter a capacidade para mudar de ideias quando somos incapazes de as defender com bons argumentos. O pensamento logicamente disciplinado não inibe portanto a criatividade; pelo contrário, promove-a.
Promove-a também por uma segunda razão. Uma das condições de possibilidade da criatividade é a capacidade para pensar em alternativas. Onde nos parece que só há uma alternativa, o pensador criativo descobre outra. Onde parece que não há solução, o pensador criativo descobre uma. Ora, a lógica ajuda-nos a pensar em diferentes possibilidades; portanto, estimula a criatividade no pensamento. Para determinar se um argumento é ou não válido é necessário determinar se há alguma maneira de as premissas serem todas verdadeiras e a conclusão falsa. Uma falácia é precisamente um argumento que parece válido a uma pessoa sem formação lógica porque ela não é capaz de ver que numa das alternativas possíveis as premissas são todas verdadeiras e a conclusão falsa. O estudo da lógica contribui assim decisivamente para a criatividade filosófica, pois habitua-nos a pensar em circunstâncias novas que de outro modo não teríamos em consideração.
in oprofessormarcio.blogspot.pt