Deus e a liberdade

O coração de muitas das grandes religiões — cristianismo, judaísmo, islamismo, por exemplo — é a crença em Deus. Claro que estas religiões — religiões teístas — diferem entre si quanto ao modo de conceber Deus. A tradição cristã, por exemplo, dá ênfase ao amor e benevolência de Deus; na perspectiva islâmica, por outro lado, Deus tem um caráter algo mais arbitrário. Entre os teólogos alegadamente cristãos também há ultrassofisticados que proclamam libertar o cristianismo da crença em Deus, procurando substituí-la pela confiança no “Ser em si” ou no “Fundamento do Ser” ou algo assim. Mas continua a ser em grande parte verdadeiro que a crença em Deus é o fundamento destas grandes religiões.
Ora, a crença em Deus não é o mesmo que acreditar que Deus existe, ou que há algo como Deus. Acreditar que Deus existe é aceitar simplesmente uma proposição de um dado gênero — uma proposição que afirma que há um ser pessoal que, digamos, sempre existiu desde a eternidade, é todo-poderoso, perfeitamente sábio, perfeitamente justo, criou o mundo, e ama as suas criaturas. Acreditar em Deus, contudo, é outra questão muito diferente. O Credo do Apóstolo começa assim: “Acredito em Deus-Pai Todo-Poderoso, Criador do Céu e da Terra...”. Quem repete estas palavras e leva a sério o que dizem não está apenas a anunciar o fato de aceitar que uma dada proposição é verdadeira; está muito mais em jogo do que isso. A crença em Deus significa confiar em Deus, aceitá-Lo, entregar-Lhe a nossa vida. Para o crente, o mundo inteiro parece diferente. Céu azul, florestas verdejantes, imensas montanhas, oceano ondulante, amigos e família, o amor nas suas muitas formas e várias manifestações — o crente vê estas coisas como dádivas de Deus. O universo inteiro assume para ele um aspecto pessoal; a verdade fundamental sobre a realidade é a verdade sobre uma Pessoa. Assim, acreditar em Deus é mais do que aceitar a proposição de que Deus existe. Mesmo assim, inclui pelo menos isso. Não faz muito sentido acreditar em Deus e agradecer-Lhe pelas montanhas sem acreditar que há tal pessoa a quem agradecer, e que Ele é de algum modo responsável pelas montanhas. Nem podemos confiar em Deus e entregar-nos a ele sem crer que Ele existe: “é necessário que quem se aproxima de Deus creia que ele existe e recompensa os que o buscam” (Heb. 11 6).
Um aspecto importante da filosofia da religião diz respeito a esta última crença — a crença de que Deus existe, de que há realmente um ser do gênero que os teístas afirmam venerar e confiar. Esta crença, contudo, não foi universalmente aceite. Muitos a rejeitaram; alguns afirmaram que é claramente falsa e que é irracional aceitá-la. Em resposta, alguns teólogos e filósofos teístas tentaram apresentar argumentos bem-sucedidos ou provas a favor da existência de Deus. A esta atividade chama-se teologia natural. O teólogo natural não oferece os seus argumentos, tipicamente, para convencer as pessoas da existência de Deus; e, na verdade, poucos dos que aceitam a crença teísta o fazem por os considerarem irresistíveis. Ao invés, a função típica da teologia natural tem sido mostrar que a crença religiosa é racionalmente aceitável. Outros filósofos, é claro, apresentaram argumentos a favor da falsidade das crenças religiosas; estes concluem que a crença em Deus é demonstravelmente irracional ou irrazoável. Podemos chamar ateologia natural a esta atividade.
Alvin Plantinga in criticanarede.com