Discurso político, argumentação e ethos


A actividade discursiva política é basicamente polémica e necessariamente persuasiva. As campanhas eleitorais relevam desta actividade geral e sobressaem como período marcante do agir político através do discurso. Ainda que um discurso, por si só, não permita determinar ou justificar direcções e consequências, não deixa, todavia, de mostrar aspectos de um processo mais amplo, que as campanhas eleitorais contextualizam, ao congregarem estratégias diversas de persuasão que culminam no acto eleitoral. O debate eleitoral é um discurso argumentativo polémico, orientado por uma ou mais questões que opõem os participantes e têm origem nas necessidades de esclarecimento e informação do público, identificado no caso vertente com o povo português em geral, o qual, mais do que em qualquer outro debate mediatizado, condiciona a sua construção, orientado para influenciar o «auditório» e levá-lo a agir de um modo muito directo e preciso, num tempo determinado. A argumentação é um processo discursivo, dialógico por natureza e prototipicamente dialogal, que vai além do esquema argumentativo da lógica clássica e não é redutível a um mero encadeamento de enunciados para chegar a uma conclusão. A discursivização na sua globalidade participa na construção da argumentação. Importantes, pois, para além dos condicionalismos linguísticos que cada uso específico evidencia, são o género de discurso, a estrutura composicional, o contexto de realização, os objectivos e os participantes, que de modo configuracional cooperam no fazer discursivo. O carácter fundamental e a autonomia que aqui daremos aos interlocutores é pois em parte metodológica, mas releva, por outro lado, de uma efectiva centralidade. Como refere Plantin (1990: 232), numa afirmação que concerne, aliás, à própria natureza da linguagem verbal, o discurso argumentativo «n’est pas un langage d’objets mais un langage habité par les interlocuteurs et marqué par leurs points de vue». A dimensão semântico-referencial, que é dimensão fundamental do discurso, é marcada necessariamente pela construção enunciativa dos (inter)locutores (cf. Fonseca, 1994). Daí que o saber partilhado e as representações sociais constituam a base de toda a argumentação, (con)formando os olhares dos participantes no debate que se constrói em interdiscurso, relativamente a um contradiscurso, numa situação espácio-temporal precisa, num quadro de interacção determinado. Os debates eleitorais assumem particular pertinência na imagem que disponibilizam dos líderes políticos. Uma imagem que está para além da imagem criada no discurso e pelo discurso, mas que aí se (re)constrói ao serviço do macro-acto de argumentação. As teorias da argumentação acentuam, ainda que de modo diverso, a importância da imagem do locutor no discurso argumentativo. Aristóteles chamou-lhe ethos, um meio de prova técnico, isto é, intrínseco ao fazer discursivo, a par do pathos e do logos, que torna o discurso persuasivo; Ducrot, entre outros, retomou o conceito para o integrar na sua teoria da argumentação. 
Mas é nas teorias da argumentação linguística que o conceito é retomado, com consequências teóricas fundamentais, a partir da dimensão prototipicamente dialogal da actividade argumentativa, em que a construção da imagem de si pelo locutor é insepará- vel de outras dimensões da construção discursiva. Desde logo, é indissociável da imagem que o locutor traz/dá de si; da imagem que faz e dá do(s) Outro(s), seu(s) interlocutor(es), na relação interpessoal que com ele(s) estabelece; complementarmente, torna importante a imagem que este(s) faz(em) do locutor. Entrecruza-se, pois, uma pluralidade de imagens, em função das quais o locutor deve assumir a tarefa de co-construir o discurso. O alocutário não é por isso um objecto passivo que poderá manipular a seu bel-prazer, antes tem de ser considerado como alter-ego, parceiro na actividade discursiva, a quem pretende fazer partilhar uma opinião, uma atitude, uma crença. No debate público, a relação que se estabelece opera a dois níveis interaccionais, com três pólos de interacção. Esta triangulação é fundamental, com o moderador e os participantes situados num nível de co-presença, em que estes últimos desenvolvem uma relação polémica, de confronto e de aprofundamento das divergências, face a um terceiro pólo, constituído pelo público ou «auditório», ausente fisicamente, mas a quem se dirigem as estratégias de persuasão. 

Maria Aldina Marques in repositorium.sdum.uminho.pt