Liberdade e determinismo.

O determinismo é a hipótese que tudo acontece como resultado do que aconteceu antes. As teorias de Newton e Einstein, por exemplo, são deterministas. Segundo estas, conhecendo por completo o estado do universo neste momento poderíamos conhecer todo o futuro. Em contraste, a mecânica quântica é indeterminista, admitindo que alguns acontecimentos não tenham causa e, por isso, não sejam determinados pelo passado.
Muitos defendem que o determinismo é incompatível com a vontade livre e, por implicação, com a responsabilidade moral. O argumento mais forte é o das consequências. Se tudo o que acontece é consequência daquilo que aconteceu antes, como exige o determinismo, então tudo o que eu decidi resultou de uma sequência inevitável de acontecimentos estendendo-se até antes de eu ter nascido. Como isto torna impossível eu ter agido de outra forma tira-me a liberdade de agir por mim.
O problema deste argumento é o “podia ter agido de outra forma”. Se eu me encontrasse exactamente na mesma situação em que, no passado, escolhi agir de uma forma, não faz sentido dizer que eu poderia agir de outra. Certamente que sim se agora tivesse informação diferente, outras preferências ou mais experiência. Mas isso seria uma situação diferente. Se eu estivesse exactamente na mesma situação iria agir, de vontade livre, exactamente da mesma maneira. Caso contrário não estaria a exercer esta vontade livre. Estaria simplesmente a agir ao acaso.
Esta noção metafísica de vontade livre é incompatível tanto com o determinismo como com o indeterminismo. De nada adianta rejeitar a ideia que eu decido em função dos meus genes, da minha educação ou dos impulsos nervosos do meu cérebro, se a substituo pela hipótese que decido sem causa alguma, quer por algum efeito quântico quer pelo capricho de uma alma insubstancial. O agir ao acaso não é mais livre que o agir causado.
Por isso nisto (como em várias coisas) estou de acordo com o Daniel Dennett. A vontade livre que faz sentido não é a liberdade metafísica do “podia ter agido de outra forma”, que é incoerente e impossível. A noção útil é o controlo consciente(1). É agir em função dos nossos mecanismos próprios, psicológicos, neurológicos, fisiológicos, biológicos ou o que for, e quer sejam determinísticos ou indeterminísticos.
Admito que isto elimina o problema teológico da omnisciência de Deus privar-nos de vontade livre, e cuja discussão motivou este post(2). Se um ser fora do tempo sabe tudo o que, para nós, está no futuro, então tudo o que faremos já está fixo e determinado. Isto é um problema se exigirmos uma vontade livre metafísica mas não faz mal se nos contentarmos com o que sabemos ter: um cérebro que geralmente toma decisões adequadas às circunstâncias.
Mas esta noção de vontade livre não exige deuses nem almas nem nada além do que observamos existir. Basta corpos e cérebros como os nossos. O problema teológico de conciliar a omnisciência divina com a nossa vontade livre é, como a maioria dos problemas teológicos, uma consequência trivial de partir das premissas erradas.

Ludwig Krippahl in ktreta.blogspot.pt