Não há perguntas estúpidas

E assim continuamos a perguntar e a perguntar
Até que uma mão-cheia de terra
Faça calar as nossas bocas ―
Mas será isso uma resposta?
HEINRICH HEINE, “Lazarus” (1854)

(...) Com excepção das crianças (que não sabem o suficiente para não fazerem as perguntas relevantes), poucas pessoas passam muito tempo a perguntar-se por que razão a natureza é como é; de onde surgiu o cosmo, ou se sempre existiu; se um dia o tempo não andará para trás, com os efeitos a precederem as causas; ou se há limites para o conhecimento humano. Existem mesmo crianças, e eu conheci algumas, que pretendem saber qual o aspecto de um buraco negro, qual o pedaço mais pequeno de matéria que existe, por que razão recordamos o passado e não o futuro e por que há universo.
De vez em quando gosto de ensinar num jardim infantil ou na instrução primária. Muitas destas crianças são cientistas natos ― embora mais propensas para se maravilharem do que para o cepticismo. Têm curiosidade e vigor intelectual. Delas surgem constantemente perguntas provocadoras e penetrantes. Manifestam um entusiasmo enorme. Fazem-me mais perguntas para esclarecer respostas que não as satisfizeram. Nunca ouviram falar de perguntas estúpidas.
Mas, quando falo para alunos do ensino secundário, o que vejo é algo de diferente. Eles memorizam “factos”. No entanto, em termos gerais, a alegria da descoberta, a vida por detrás desses factos, desapareceu. Perderam grande parte da capacidade se de maravilharem e ganharam muito pouco cepticismo. Têm medo de fazer perguntas “estúpidas”, aceitam respostas deficientes, não colocam outras perguntas para esclarecer uma resposta que não os satisfaça; a sala está cheia de olhares de esguelha para avaliar, momento a momento, a aprovação dos seus colegas. Vêm para a aula com perguntas escritas em papelinhos, que espreitam sub-repticiamente enquanto esperam a sua vez, alheando-se de qualquer debate em que os seus colegas nesse momento participem.
Alguma coisa aconteceu entre o 5.° e o 12.° ano, e não foi apenas a puberdade. Penso que isso se deve a vários factores: uma pressão dos colegas para não sobressaírem (ao contrário do que acontece no desporto); o facto de a sociedade ensinar a gratificação a curto prazo; a impressão de que a ciência ou a matemática não lhes vai permitir comprar um carro desportivo; a circunstância de se esperar tão pouco dos estudantes; e o facto de haver poucas recompensas e poucos modelos para uma discussão inteligente da ciência e da tecnologia ― ou mesmo para aprender pelo gosto de aprender. Os poucos que se mantêm interessados são apelidados de “palermas”, “maníacos” ou “marrões”.
Mas ainda há outra coisa: verifico que muitos adultos ficam incomodados quando as crianças fazem perguntas científicas. Por que é a Lua redonda?, interrogam as crianças. Por que é a erva verde? O que é um sonho? Com que profundidade se consegue cavar um buraco? Quando é o aniversário do mundo? Por que temos dedos grandes do pé? Há demasiados professores e pais que respondem com irritação ou com troça, ou então mudam de assunto: “Como querias que fosse a Lua, quadrada?” As crianças aprendem rapidamente que, de algum modo, este tipo de perguntas aborrece os adultos. Mais uns episódios como este e teremos mais uma criança perdida para a ciência. Nunca compreenderei por que razão os adultos pretendem passar por omniscientes diante de crianças de seis anos. Qual o problema em admitirmos que não sabemos alguma coisa? A nossa auto-estima é assim tão frágil?
Além do mais, muitas destas perguntas têm a ver com questões profundas da ciência, algumas das quais ainda não estão plenamente resolvidas. A Lua é redonda devido ao facto de a gravidade ser uma força que atrai os corpos para o centro de qualquer planeta e de as rochas serem tão resistentes. A erva é verde devido a um pigmento, a clorofila ― como nos meteram à força na cabeça, na escola secundária ―, mas por que razão as plantas têm clorofila? Parece disparatado, dado que o Sol emite o seu máximo de energia nas regiões amarela e verde do espectro. Por que motivo as plantas de todo o mundo rejeitam a luz solar nos seus comprimentos de onda mais abundantes? Talvez isto tenha a ver com um acidente congelado proveniente da história antiga da vida na Terra. Mas ainda não compreendemos completamente por que razão a erva é verde.
Existem muitas respostas que são melhores do que fazer a criança sentir que fazer perguntas profundas constitui um acto socialmente condenável. Se tivermos uma ideia da resposta, podemos tentar explicar. Uma tentativa, ainda que incompleta, pode ser uma atitude encorajadora. Se não tivermos nenhuma ideia da resposta, podemos consultar uma enciclopédia. Se não tivermos uma enciclopédia, podemos levar a criança a uma biblioteca. Ou podemos dizer: “Não sei a resposta. Talvez ninguém saiba. Pode ser que, quando cresceres, venhas a ser a primeira pessoa a descobrir.”
Há perguntas ingénuas, perguntas enfadonhas, perguntas mal formuladas, perguntas feitas sem pensar. Mas todas representam uma vontade de compreender o mundo. Não há perguntas estúpidas.

Carl Sagan in "Um Mundo Infestado de Demónios" (Gradiva, Lisboa, 1998)