Introdução à epistemologia: o que é o conhecimento?

A Epistemologia constitui um campo da Filosofia dificilmente delimitável devido às inúmeras fronteiras ténues e apenas esboçadas com muitas outras áreas, elas próprias vastas e de carácter eminentemente interdisciplinar - como a Filosofia do Conhecimento, a Filosofia das Ciências, a História das Ciências, a Metodologia das Ciências, e actualmente também com a Fenomenologia, a Filosofia da Linguagem, a Filosofia Analítica, a Filosofia da Mente, a Filosofia da Psicologia. Elaborar um curso de Epistemologia exige, por isso, optar por um ponto de partida e traçar um itinerário preciso, o que significa necessariamente estabelecer contornos bem nítidos e renunciar a outras vias possíveis, que se apresentam no vasto horizonte epistemológico e filosófico. Estas outras vias possíveis não podem deixar de surgir, no entanto, na paisagem do itinerário traçado e entrecruzam-se constantemente com o fio condutor pelo qual se optou. Inevitavelmente, ao formular e tratar um problema encontram-se outros problemas e questões com afinidades incontestáveis, e não é fácil deslindar o nó da questão inicial e suas implicações múltiplas e transversais. Mas, uma vez traçado o itinerário, é inevitável a delimitação e, consequentemente, deixar de lado muitas outras questões que se apresentam como questões igualmente possíveis.
Centrar-nos-emos no problema filosófico do conhecimento, visando uma elucidação das questões nucleares sobre a sua natureza e condições de possibilidade. O objectivo principal será o de justificar o conhecimento, dar conta dos fundamentos que o alicerçam e mostrar a viabilidade do acesso cognitivo ao mundo real. Conhecer pressupõe, com efeito uma relação intencional que informa toda a experiência e lhe dá um carácter de abertura e de revelação. 
Toda a reflexão epistemológica que pretenda um esclarecimento sobre problemas relacionados com o estatuto das várias ciências, as suas metodologias, os âmbitos e limites dos vários saberes, a sua objectividade, universalidade e validade, requer uma investigação prévia sobre o próprio conhecimento: um conhecimento do conhecimento e uma defesa do seu próprio estatuto e da sua fiabilidade. Esta tarefa consiste numa crítica, que deverá assumir uma certa atitude transcendental, orientada para a reconstrução – e não descontrução – do processo cognitivo desde os seus fundamentos.
Não basta, no entanto, para delimitar o campo do programa epistemológico, considerar a questão enunciada. O problema do conhecimento pode ser considerado um dos temas centrais da Filosofia. Qual a perspectiva peculiar, própria da investigação epistemológica? Centremos a atenção na noção de episteme, da qual deriva o termo Epistemologia. Tradicionalmente episteme tem sido traduzida por 'conhecimento'. No entanto, rapidamente se comprova como as discussões filosóficas em torno da episteme - reportando-nos à tradição clássica da filosofia platónica e aristotélica - se revelam peculiares e não coincidentes com a tradução do termo grego simplesmente por 'conhecimento'. Na tradição platónica, a discussão sistemática em torno de episteme no Teeteto, uma vez estabelecido que esta não é percepção nem simplesmente opinião verdadeira, põe o problema de saber o que é necessário acrescentar à opinião verdadeira para que esta constitua episteme. E esta é a questão mais comum a partir da qual partem muitas das actuais exposições básicas da Epistemologia: poderia definir-se, neste sentido como o estudo da justificação da crença ou opinião. "Quais as crenças que são justificadas ou fundamentadas e quais não o são?", "Qual a diferença entre conhecer verdadeiramente, e ter uma mera crença ou opinião verdadeira?" "Qual a relação entre crer e conhecer?", "Porque é que pensamos ou cremos que p ?" seriam perguntas centrais da epistemologia. 
A definição proposta - o estudo da justificação ou fundamentação da crença - parece, no entanto demasiado restritiva, pois qualquer outro estado cognitivo que não o da crença verdadeira justificada, ficaria fora das suas fronteiras: a dúvida, conjectura, probabilidade, interrogação constituem estados cognitivos de indubitável interesse para a epistemologia. Não há dúvida que o problema da justificação ou fundamentação da mera crença verdadeira é fulcral na epistemologia, mas não é o único. O conhecimento é tradicionalmente, desde Platão, caracterizado como crença justificada, mas é o próprio processo cognitivo que carece, ele próprio, de uma justificação, que pressupõe a elucidação da questão originária sobre o que é conhecer.
Deverá notar-se que, pela própria natureza da questão central que se propõe tratar, é imprescindível o retorno ao exame de algumas tradições que marcam a história do pensamento. De algum modo é certo que a história da epistemologia é coextensiva à história da própria filosofia. A busca de um progressivo crescimento e da compreensão do próprio conhecimento constitui um objectivo constante de qualquer filósofo, o que requer uma capacidade de distinguir as crenças verdadeiras das falsas. Isso exige a formulação de um critério para averiguar dos fundamentos que, de facto, constituem uma justificação dessas crenças. A busca da verdade assenta na busca da justificação. E esta preocupação está presente na reflexão epistemológica desde o pensamento clássico até aos nossos dias. Embora o problema da justificação da crença não constitua o tema exclusivo da antiga epistemologia, está de algum modo presente em todos os autores clássicos que examinam o problema do conhecimento. 
A tradição filosófica - designadamente Platão e Aristóteles – constitui um referencial presente no desenvolvimento de alguns dos tópicos. Isto não significa que se adopte uma perspectiva historicista, ou se pretenda apresentar uma história da epistemologia. Pelo contrário, adoptar-se-á um ponto de vista anti-historicista. A referência a autores e textos do passado é sempre motivada pela consciência da actualidade e mesmo perenidade de problemas e questões que desde a Antiguidade até aos nossos dias não podem deixar de comparecer no horizonte filosófico. O que se procura é pensar com esses autores encontrando sintonias e afinidades com as suas questões, procurando compreender até que ponto um pensador de tempos passados pervive ainda nas interrogações constantes da filosofia. A reflexão sobre o pensamento dos seus predecessores constitui sempre para o filósofo um poderoso meio para encontrar luminosas alternativas para os problemas dos quais se ocupa, e o seu próprio horizonte só ganhará em amplitude e profundidade com essa reflexão. A atitude a adoptar será precisamente a de abrir um amplo diálogo, no qual comparece o passado como presente, e o presente se assume como reiteração de um discurso já encetado há muito, mas sempre vivo e em acção. Se lidamos assim com as tradições, é porque o que nos interessa são "histórias que nos impulsionem a ir para além das histórias", empregando palavras de MacIntyre.
Esta atitude em relação às diferentes tradições filosóficas pressupõe a rejeição de uma concepção discontínua do discurso racional, baseada sobretudo na noção de paradigma de Kuhn: reconhece-se uma certa incomensurabilidade entre diversos sistemas conceptuais, cosmovisões, pontos de vista, mas essa incomensurabilidade não significa intraducibilidade. Traducibilidade e compatibilidade não são o mesmo que comensurabilidade.
Por outro lado, a adopção de um ponto de vista não significa de modo algum um ponto de vista absoluto e englobante; trata-se de abrir um caminho a seguir, de estabelecer um percurso mantendo sempre no horizonte outros pontos de vista possíveis, outras perspectivas que não se excluem necessariamente, mas que perpassam transversalmente num entrosamento inevitável.
A interferência das discussões epistemológicas com alguns dos contributos do exame a partir de outras áreas com afinidades nítidas com a Epistemologia - a Fenomenologia, a Filosofia da Psicologia, a Filosofia Analítica e a Filosofia da Mente - como é o caso, por exemplo, da análise das noções de percepção, crença, juízo e proposição, verdade, certeza e evidência, etc. - será inevitável. Considera-se que essas interferências, ou melhor o tratamento destas noções numa perspectiva transversal, constituirá um enriquecimento na elucidação filosófica dessas mesmas noções. Por isso mesmo, a referência a alguns autores que não podem ser considerados propriamente como epistemólogos - como por exemplo Brentano, Frege, Husserl, Wittgenstein, entre outros - ocorrerá com alguma frequência, com o intuito de ampliar a elucidação de questões intimamente relacionadas com a problemática do conhecimento e que não se podem restringir a uma delimitação rígida do campo da Epistemologia. O estudo da percepção e do juízo, da verdade e da evidência será objecto de uma reflexão aprofundada que ultrapassa as fronteiras de uma definição e demarcação demasiado estrita da Epistemologia.
Por último, uma palavra sobre a atitude céptica. Quando se trata do conhecimento é inevitável que nos rondem dúvidas, diferentes tipos de dúvidas: podemos confiar no que nos apresentam os nossos sentidos? Os dados da percepção serão fiáveis? O que nos aparece, o que se nos apresenta será verdadeiramente uma realidade independente do nosso modo de percepcionar, de conhecer? Não será tudo um sonho? Uma ilusão? E, no limite, não estaremos a ser constantemente enganados por um «génio maligno»?
Perante as variadas atitudes de cepticismo, é possível adoptar diferentes posições: 
a) enredar-se em tentativas de argumentos contra os argumentos cépticos, uma discussão directa na qual se admite, até certo ponto, as próprias dúvidas que se tentam ultrapassar; 
b) contornar esses argumentos, evitando um confronto directo e colocar-se à partida numa atitude realista, de um realismo duro no qual se toma como inquestionável a aceitação de uma realidade objectiva, independente do nosso próprio ponto de vista; mesmo reconhecendo o grande abismo entre os fundamentos das nossas crenças sobre o mundo e os conteúdos dessas mesmas crenças, a falibilidade do que se nos apresenta, em contraste com a consistência ontológica do real, tenta-se o salto sobre o abismo sem o anular. Exemplos desta atitude são por exemplo as “teoria heróicas” (empregando uma expressão de Thomas Nagel) como a teoria das Formas de Platão, a defesa cartesiana da fiabilidade do conhecimento humano em geral assente numa prova a priori da existência de um Deus à prova de toda a confiança. E em tempos mais recentes, com nítidas tonalidades platónicas, as propostas de um mundo objectivo, real, constituído por entidades ontologicamente consistentes, não submetidas à precaridade do nosso conhecimento sensível, como é o caso do «terceiro mundo» de Frege, um mundo de objectualidades independente do nosso modo de as apreender;
c) desconstuir a dúvida céptica apontando-lhe a sua falta de fundamento – quem duvida, sabe já alguma coisa, e tendo em conta o senso comum, fará sentido a formulação de dúvidas radicais que ponham em causa qualquer forma de conhecimento, ou de possibilidade de acesso ao mundo externo e a uma realidade objectiva? Ao céptico caberá a tarefa de fundamentar a sua dúvida, caso contrário ela será rejeitada como sem sentido nem fundamento. Neste caso, há uma rejeição do abismo entre realidade e aparência, e uma afirmação explícita de nos encontrarmos já do outro lado. Esta seria a atitude de Moore e, apesar de algumas divergências, da de Wittgenstein ("O cepticismo não é irrefutável mas obviamente falho de sentido por pretender pôr em dúvida o que não pode ser perguntado. E isto porque só pode haver dúvida onde pode haver uma pergunta, e uma pergunta só onde pode haver uma resposta, e esta só onde algo pode ser dito" (Tractatus 6.51);
d) adoptar uma outra concepção do real, não como algo totalmente alheio ao nosso ponto de vista, transcendente ao próprio modo de percepcionar e conhecer, mas um real que abarca também todos os nossos processos cognoscitivos, o próprio sujeito e suas condições de acesso ao mundo. Isto significa situar-se a montante do dilema aparência-realidade, subjectividade-objectividade, mundo-tal-como-se-nos-apresenta e mundo-em-si, ou em termos mais radicais entre ser e conhecer. Um mundo em si, independente do nosso modo de conhecer, alheio às condições de cognoscibilidade seria de facto impensável, não por transcender em absoluto o que se nos apresenta, mas porque esse mundo não nos incluiria e, como tal, seria uma realidade incompleta, truncada. O que se pretende afirmar é a conaturalidade entre realidade e conhecimento, numa posição que se poderia denominar de realismo transcendental. 
Não se pode evitar que uma certa dose de cepticismo ronde sempre todo o empreendimento, pelo menos como uma via de reconhecimento da nossa própria situação; a dúvida, a incerteza e a falibilidade não constituirão, no entanto, impedimentos para persistir na busca de conhecimento, pois o nosso impulso para o real torna impossível que nos satisfaça uma perspectiva meramente subjectiva e minada à partida pela distância e inacessibilidade do objecto a conhecer.

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