Que diálogo entre culturas? -

"O mundo sem regras", de Amin Maalouf
Hans Küng há muito que vem dizendo que não há diálogo entre culturas se não houver capacidade para conhecer e para pôr em contacto as diferentes religiões. Maalouf, numa perspectiva complementar, diz-nos que «a influência dos povos sobre as religiões é maior do que a influência das religiões sobre os povos». Temos, por isso, de entender na sua complexidade os fenómenos sociais, assumindo que há uma dimensão universal da dignidade humana que deve ser mais forte do que todos os particularismos. E se temos de compreender que a sociedade humana deve encontrar o equilíbrio entre o universalismo e as diferenças, não podemos deixar de ouvir o nosso autor proclamar que “o Ocidente precisa de sair do excesso de confiança em si mesmo, enquanto o mundo árabe precisa de sair do poço histórico em que caiu”. Afinal, o desregramento tem a ver com as ilusões sobre as imagens que cada um faz de si mesmo, deixando na penumbra o lugar do outro, como a metade que nos falta e que nos completa. “As civilizações que mais proclamam a sua diferença em relação às outras são as que mais se sentem ameaçadas”. E é muito natural que assim seja, uma vez que o cosmopolitismo e o universalismo não podem afirmar-se se não houver uma permanente integração do que é próprio e irrepetível. Maalouf afirmou, por isso, que “o problema não está nos textos sagrados mas nas interpretações que a partir deles são feitas. Na Bíblia, como no Corão, por cada frase que apela à tolerância há uma outra que incita ao uso da espada”. São muitas vezes as interpretações literais e a falta de sentido crítico que levam ao absolutismo, que, por sua vez, no seu excesso, induz o relativismo. Amin Maalouf nasceu e vive entre dois mundos, entre duas civilizações. A sua obra parte dessa experiência. Como nos diz, “estou entre dois mundos que não se compreendem e nem sequer são capazes de se ouvir um ao outro. Criar pontes entre estes dois mundos é uma tarefa de Sísifo”. No entanto, essa tarefa constitui um desafio urgente e necessário, não para minimizar as diferenças culturais, mas para as integrar numa dimensão de respeito, de complementaridade e de criação de pontes duráveis, que temos de estar sempre disponíveis para recomeçar e para reconstruir. Daí que a memória deva ser compreendida como sinal de sabedoria, e não como factor de intolerância ou de vingança. Os preconceitos antigos e ancestrais devem dar lugar à hospitalidade e aos lugares de encontro. Poderemos esquecer o que Samuel Huntington lembrou – “o ocidente dominou o mundo não pelo conhecimento, mas pela superioridade militar?”. E se “é pela cultura, e sobretudo pela literatura, que os povos se revelam, com todos os seus medos e frustrações”, temos de entender que também na cultura poderemos encontrar caminhos de emancipação, de valorização da humanidade plural e de compreensão dos outros. Daí os sinais de esperança que Amin Maalouf apresenta. A crise pode levar-nos a procurar uma visão adulta das nossas crenças, das nossas diferenças e de um destino comum do planeta. Os desafios culturais, científicos, ambientais constituem oportunidades a que não poderemos deixar de responder.
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