O problema do valor da arte é sempre um problema que envolve a interacção
de vários valores correspondentes às várias dimensões presente nestes objectos
peculiares que chamamos obras de arte. A dificuldade está em percebermos não só
as dimensões que deveremos privilegiar numa obra, isto é, que consideramos
importante ter em conta para lhe atribuirmos valor artístico, mas também
compreendermos se a presença de determinado valor na obra influência o
desenvolvimento de outro. Ora é exactamente aqui que recai o nosso ponto. Por vezes
as obras de arte têm valores estéticos e éticos e ambos contribuem para o valor
artístico da obra. Neste sentido, a questão que nos importa resolver é a seguinte: a
presença de um tipo de valor afecta o desenvolvimento do outro? Se uma obra
expressar uma atitude moralmente repreensível (defeito ético), isso poderá diminuir o
valor estético da obra? Por outro lado, o valor estético de uma obra poderá influenciar
o seu valor ético? Iremos tentar compreender estas duas formas de interacção de
valores na análise das teorias que iremos discutir.
Antes de apresentarmos as teorias da ―interacção‖, penso que seria importante
salientar a distinção entre valor artístico e valor estético. Como referimos no primeiro
capítulo o valor artístico de uma obra remete-nos para uma pluralidade de dimensões
presentes numa obra: dimensão histórica, social, religiosa, ética, estética. Claro que
nem todas estas dimensões assumem o mesmo peso no valor artístico da obra.
Tratando-se de uma obra de arte, o valor estético assume inevitavelmente a base que
possibilitará a experiência estética, a capacidade do objecto desenvolver uma
experiência peculiar. Contudo, o que importa analisarmos é a relação que a dimensão
estética tem ou pode ter nos outros valores presentes na obra, mais especificamente
os valores éticos. As teorias que iremos apresentar acreditam na interacção e algumas
consideram que tal relação fundamenta-se no que consideram ser a criação artística e
as obras de arte propriamente ditas.
No artigo «Artistic and Aesthetic Values» , Roman Ingarden caracteriza o valor
estético como uma das determinações presentes nas obras marcadas pela relação
das qualidades estéticas ( cor, forma, beleza…) que constitui a base neutral, o
esqueleto da obra de arte a partir do qual o observador competente é convidado a
reconstruir.existência de lacunas nas obras de arte, de áreas indeterminadas, de
aspectos que existem apenas potencialmente e que necessitam do observador para
as concretizar é a chave para a distinção entre o valor estético e o valor artístico. A
obra de arte é algo que se realiza no domínio da experiência estética e, nesse sentido,
deve ser considerada como uma obra aberta, como um potencial pronto a ser
completado e actualizado pelo público competente.
Paula Gabellieri in repositorio.ul.pt