Kant: síntese em 10 pontos (apontamento)

"1 – O sentido do Iluminismo.- “O que é a Ilustração? É a saída do homem da sua menoridade, da qual ele mesmo é responsável. Menoridade, ou seja, incapacidade de se servir do seu entendimento sem a orientação de outrem, menoridade da qual ele mesmo é responsável, pois a causa reside não na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem para se servir dele sem a tutela de outrem. Sapere aude! Tem coragem para te servir do teu próprio entendimento! Essa é a divisa das Luzes!” [Kant, Immanuel. “Respuesta a la pregunta: Qué es la Ilustración?” In: Kant, Erhard, Freiherr von Moser, e outros. Qué es Ilustración? - Estudo preliminar de Agapito Mestre; versão espanhola de Agapito Mestre e José Romagosa – 3ª. Edição, Madrid: Tecnos, 1993, p. 17].
2 - Kant marcou definitivamente os rumos da filosofia ocidental, desatrelando-a da metafísica e colocando-a, de maneira firme, no contexto da denominada perspectiva crítica ou transcendental. Não temos acesso à essência substancial das coisas, embora não possamos prescindir delas na elaboração do nosso conhecimento. Da realidade somente conhecemos o fenômeno, aquilo que se revela à nossa experiência. Não temos o condão mágico de enxergar a essência substancial das coisas. Elaboramos os nossos conhecimentos a partir do que dos objetos nos revelam as experiências sensoriais. Podemos nos elevar até as generalizações teóricas, partindo da experiência, mediante a organização dos dados fenomênicos com a ajuda das idéias puras do entendimento. Não criamos, portanto, a realidade. Apenas a formatamos, de acordo com a estruturaontognosiológica da nossa razão.
3 - O nosso entendimento é apenas faculdade ordenadora do real. Com este princípio exposto na Crítica da Razão Pura, o filósofo de Königsberg dividiu, com Platão, o mérito de ter formulado uma das duas perspectivas filosóficas que balizam a filosofia ocidental: a crítica ou transcendental, sendo que o pensador grego sistematizou, notadamente no seu diálogo Fédon, a perspectiva denominada realista ou transcendente.
4 - A partir da perspectiva transcendental, Kant deu embasamento epistemológico à nova física de Newton. Podemos dizer que Kant tirou a ciência moderna da enrascada em que tinha sido colocada pela tentativa de explicação substancialista. Se, segundo é pressuposto por esta, nós enxergamos a essência da realidade, não se explica como, no que tange às teorias cosmológicas, a Humanidade embarcou durante séculos a fio (desde os Gregos até 1543, quando Copérnico formulou a hipótese heliocêntrica) na canoa furada do Cosmo geocêntrico. No contexto da explicação kantiana, a mudança de paradigma cosmológico é de fácil explicação: passou-se, com Newton, de uma apreciação do fenômeno a uma outra, mais compatível com a experiência e os dados matemáticos. Nada de dogmatismo realista. Instalou-se, na filosofia da ciência, uma saudável relatividade quanto à necessidade de consultar os dados da experiência, sempre passível, aliás, de novas representações. À luz da perspectiva kantiana, Karl Popper, no século XX, definiu a certeza científica como afirmação probabilística, capaz de ser refutada. Afirmações passíveis de serem discutidas pela comunidade científica e verificadas por ela, essas são as assertivas científicas. Longe ficaria o neokantismo do dogmatismo positivista, que pretenderá uma certeza dogmática para a ciência, a partir de fatos apreensíveis de uma vez para sempre.
5 - A herança kantiana foi definitiva, também, em dois outros terrenos: o da ética e o da política. No que tange ao primeiro campo, Kant formulou, pela primeira vez, uma moral racional, mediante a tradução, em rigorosos conceitos filosóficos, dos postulados religiosos em que até então se alicerçava a moral. Na sua Fundamentação da metafísica dos costumes, o mestre de Königsberg traduziu o cerne da moral judaico-cristã, o mandamento da caridade, neste imperativo categórico: “Age de tal forma que trates a pessoa humana sempre como fim e nunca como meio”. Tornou-se possível, assim, uma moral racional, que incorporou o rico legado da tradição judaico-cristã, compatibilizando-o com a tradição helenística que valoriza a razão. Já no que tange à política, o pensador alemão formulou, no seu opúsculo intitulado A paz perpétua, o que seria o princípio básico da moral pública, ou princípio da “transparência”, que reza assim: “Age sempre de tal forma que os motivos de tua ação possam ser divulgados aos quatro ventos”. Esse princípio tornou-se o centro irradiador de luz para a ação política, tanto no plano nacional quanto no terreno internacional. A melhor forma de manter a credibilidade de um governo é, à luz do princípio kantiano, mantendo a transparência perante a comunidade. E, no terreno internacional, a garantia da paz entre as nações consiste em não esconder cartas na manga, explicitando, perante a comunidade dos povos, os móveis da ação dos Estados. Utopia? Talvez. Mas a aproximação desse ideal é a que, certamente, tem garantido os clarões de paz na noite dos conflitos. Mais uma vez, o genial pensamento do filósofo de Königsberg tornou-se semente fecunda da civilização ocidental, neste conturbado início de milênio.
6 – No que tange, especificamente, à Teoria do Conhecimento, Kant sistematizou a forma em que podemos efetivar juízos de validez universal. Enveredou pelo caminho que já tinha sido assinalado por Aristóteles: os nossos conhecimentos completos expressam-se em juízos e estes se traduzem na linguagem. Ora, quais seriam, nesta, os tipos de juízos (ou afirmações) possíveis? - Esses juízos seriam de dois tipos: analíticose sintéticos. Nos primeiros, o predicado já se encontra no sujeito, constituindo apenas uma explicitação tautológica. Quando digo, por exemplo: “O homem é um animal racional”, no sujeito (homem) já está contido o predicado (animal racional). A definiçãoaristotélica seria, portanto, uma tautologia. Portanto, com juízos analíticos não aumento os meus conhecimentos. Restam os juízos sintéticos, aqueles nos quais o predicado não está contido no sujeito. Estes são de dois tipos: juízos sintéticos a-posteriori (referidos à experiência sensível, sempre individual e não generalizável, como quando afirmo: “o sorvete de morango está gostoso”), e juízos sintéticos a-priori (referidos à experiência – que nos fornece os objetos da intuição sensível em geral -, organizada a partir de categorias ou conceitos puros do entendimento e universalmente válidos para todos os sujeitos cognoscentes, como quando Newton afirma, no terceiro axioma da sua obraPhilosophiae naturalis principia mathematica: “Toda ação é acompanhada de uma reação do mesmo tamanho e de direção oposta”).
7 – A partir da análise dos nossos juízos sintéticos a-priori, Kant deduz as categorias correspondentes a eles, no procedimento por ele identificado, na Crítica da Razão Pura, como “dedução transcendental das categorias”, na verdade, uma “indução” delas. Essa dedução é efetivada levando em consideração o seguinte princípio, explicitado nestes termos pelo próprio Kant: “Originam-se tantos conceitos puros do entendimento, referidos a-priori a objetos da intuição em geral, quantas [forem] as funções lógicas em todos os juízos possíveis que há na tábua [a seguir]; pois o entendimento esgota-se totalmente nessas funções e a sua capacidade mede-se totalmente por elas” [Crítica da Razão Pura, tradução de Manoela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão, Lisboa: Calouste Gulbenkian, 4ª edição, 1997, p. 110].
8 – Tábua dos Juízos sintéticos a-priori possíveis. A respeito, afirma Kant: “Se abstrairmos de todo o conteúdo de um juízo em geral e atendermos apenas à simples forma do entendimento, encontramos que nele a função do pensamento pode reduzir-se a quatro rubricas, cada uma das quais contém três momentos. Podem comodamente apresentar-se na seguinte tábua: 1. Quantidade dos juízos: Universais, Particulares, Singulares; 2. Qualidade: Afirmativos, Negativos, Infinitos; 3. Relação: Categóricos, Hipotéticos, Disjuntivos; 4. Modalidade: Problemáticos, Assertóricos, Apodícticos”. [Crítica da Razão Pura, edição Gulbenkian, 1997, p. 103-104]. 
9 – Tábua das Categorias. A partir da Tábua dos Juízos sintéticos a-priori possíveis, Kant deduz (infere) a seguinte Tábua das Categorias (ou Conceitos Puros do Entendimento): “1. Da Quantidade: Unidade, Pluralidade, Totalidade; 2. Da Qualidade:Realidade, Negação, Limitação; 3. Da Relação: Inferência e subsistência (substantia et accidens), Causalidade e dependência (causa e efeito), Comunidade (ação recíproca entre o agente e o paciente). 4. Da Modalidade: Possibilidade – Impossibilidade, Existência – Não-existência, Necessidade – Contingência”. [Crítica da Razão Pura, edição Gulbenkian, 1997, p. 110-111]
10 – Partes da Crítica da Razão Pura: Kant dividiu a sua obra em três partes, consistentes: 1. na Estética Transcendental (onde trata acerca do modo em que os dados da experiência sensível são organizados, no espaço e no tempo, pelas Formas a-priori da sensibilidade, com o auxílio do Esquema); 2. na Analítica Transcendental (onde trata acerca do modo em que o Entendimento elabora os conceitos, a partir dos dados fenomênicos, com a finalidade de construir os Juízos sintéticos a-priori); 3. na Dialética Transcendental (onde analisa o “sonho da Razão”, consistente na atividade de elaborar juízos dialéticos sobre objetos puramente imaginários, elaborados a partir de conceitos não alicerçados diretamente na experiência. Esses objetos ideais seriam três: aimortalidade da alma, a ordem cósmica e a existência de Deus. Aqui ancoram as construções da Metafísica, bem como as várias representações da Arte e da Religião, que exprimem desiderata do sujeito pensante, mas não diretamente fenômenos correspondentes à experiência)."
Ricardo Velez-Rodriguez





TÁBUA DAS CATEGORIAS


1- Quantidade:

Unidade
Pluralidade
Totalidade


2- Qualidade:

Realidade
Negação
Limitação


3- Relação:

Inerência e subsistência ( substância et accidens)
Casualidade e Dependência ( causa e efeito)
Comunidade (Acção recíproca entre o agente e o paciente)


4- Modalidade:


Possibilidade - Impossibilidade
Existência- Não existência
Necessidade- Contingência