A estátua sabe-o

A estátua sabe-o. Ou pelo menos, intui-o. Sente-se pesada, como se carregasse nos ombros o peso de coisas que em si pousaram, sem que percebesse o quê ou quando.
Mesmo não o sabendo, a estátua representa mais do que aquilo que o seu criador quis representar. Com aquele pássaro ali pousado, o seu sorriso transforma-se num outro sorriso. E faz-me pensar, enquanto a fotografo, que ali assim, de forma tão simples, se condensa uma imagem que nos reflecte e nos remete para nós próprios. Para aqueles momentos em que, como a estátua, sentimos um peso nos ombros, na cabeça, nas costas, como um fardo que temos de carregar sem saber bem porquê ou quem o pôs cá. Andamos, em periclitante equilíbrio, para o não deixar cair nem o chocalhar demasiado.
O medo de que o fardo que carregamos possa ser mais pesado se o olharmos de frente obriga-nos a andar como se fôssemos um bêbado equilibrista, tropegamente a deslizar pelo fio de arame, tentando não cair nem deixar cair o peso extra que carregamos connosco.
Somos um número de circo. Um permanente escapismo e os urras e palmas que vêm do público acentuam a nossa desgraçada tentativa de marchar direito com a cabeça torta.
Se calhar, estamos errados. Se calhar, deveríamos tentar perceber que peso é esse que carregamos. Descer da corda bamba, sentarmo-nos num sofá confortável e, longe da vista do público que quer mais e mais circo, tactearmos o corpo e a alma até acharmos o que nos pesa e desequilibra e nos faz marchar no fio da navalha.
Há o medo, claro. Podemos descobrir que aquele peso, de tanto nos pesar, se enxertou em nós e não o conseguiremos mais enxotar.
Mas também há a esperança. Sobretudo por ela, vale a pena espreitar.
Talvez seja que aquilo que sentíamos pesar-nos não seja mais do que uma pomba branca que, depois de descoberta, voe dali e nos traga a paz que tanto queríamos.
Se o mundo nos pesa, então ao menos que possamos imaginar que o seu peso é o de uma pomba e que isso nos traga um sorriso aos lábios.
A estátua sabe-o. E sorri.
Ana Bacalhau - Publicado originalmente na edição de 10 de janeiro de 2016