A propósito da leitura do "Papalagui" - por Adália Almeida

SER ...
Durante a realização do corpo do trabalho tive oportunidade de sentir querer muita coisa. Uma delas foi estar com Tuiavii ou para descobrir um pouco mais sobre o seu pensamento, ou para o “acariciar” bruscamente por tudo o que ele me fez passar. 
Durante a leitura do livro entrei várias vezes em conflito de pensamento com Tuiavii: “Qual é o mal de agirmos assim?” “Qual é o problema de nos vestirmos com muitas roupas?” “O que é que tem vivermos dentro de pedras grandes?” E muitas outras surgiram. 
Quando passei à fase de escolher excertos, ideias e desenvolver não o consegui imediatamente. Algum tempo mais tarde descobri porquê. 
Uma hipótese (a minha, em concreto): 
“ Vivo numa casa com garagem, rés do chão e primeiro andar. Comigo vivem mais quatro pessoas: o meu pai, a minha mãe, a minha irmã e a minha bisavó. (Restringindo)
 Tenho um quarto com uma cama, um guarda-roupas, uma escrivaninha, uma mesinha de cabeceira, três tapetes, uma janela e uma varanda. Nele também existem uma televisão, dois candeeiros, roupas, fotos, objetos nos quais está inscrito “Em Fátima rezei por ti”, uma caixa vazia de ferrero rocher que tem a função de porquinho mealheiro e uma dezena de livros. Também tenho um computador portátil, ligação à internet via wi-fi, um telemóvel com câmara frontal e roupa interior lavada.” 
Não sou dos Papalaguis mais abastados. 
E agora: Qual é a necessidade de tantas coisas? Para quê e porque é que tens tantas coisas? Precisas realmente disso? Por exemplo o telemóvel...precisas mesmo dele? 
É inevitável nos tempos de hoje...Preciso dele para ligar aos meus pais,..e se há uma urgência? Se tenho de chamar uma ambulância? Se não há batatas em casa para fazer a sopa e a minha mãe me pede para comprar? Ou até mesmo se quero saber se alguém com quem não esteja frequentemente está bem de saúde ou de finanças? Mesmo aquelas tias que emigraram para o Luxemburgo e nem falam português nem francês, como é que vou poder saber como elas estão? 
A resposta típica do Papalagui. “Claro que preciso!”. 
Ler o pensamento de Tuiavii questionou-me neste sentido. Porque é que somos cada vez menos humanos e mais de plástico? Porque é que o erro humano é cada vez mais submetido à intolerância, criando objetos que façam com exatidão aquilo que a mão humana pode fazer? Porque é que nos deixamos contagiar por biblots e não pelos que nos rodeiam? Porque é que somos cada vez mais ter do que ser? 
E foi devido à minha educação “desenvolvida”, mais ou menos acentuada que eu tive dificuldades em entender Tuiavii: porque ele limita-se a “SER”, algo que o “desenvolvimento” ofuscou no europeu. 
Outras dificuldades foram aparecendo, mas depois de ser iniciada a interiorização desta foi-se tornando subtilmente mais fácil. 
Esta utilização de aparelhos e bens (dei por mim a perguntar-me: “Mas o que é que são e para que é que servem os bens?”) tornou-se vício e dependência na Europa. Acho, agora, loucura que alguém grite por Liberdade quando ainda não percebeu que é livre mas que se deixa condicionar ainda mais por objetos ou virtualidades inanimadas, sem dor ou alegria, sem uma pinga de vida. Algumas manifestações são indescritivelmente ridículas, tão ridículo como ter dois olhos a funcionar perfeitamente e gritar, suar, espernear por mais um. 
Outra coisa que o Papalagui me fez ver (uma característica do ser humano é ter tudo à sua frente e não o ver, não o entender, daí a necessidade de pensar, de relacionar ou dissociar as coisas) foi a incoerência em que vivemos. Numa sociedade as pessoas individualizam-se cada vez mais, assistindo-se ao mesmo tempo à criação de comunidades e meios cada vez maiores e mais globalizantes (mega-agrupamentos, mega-países…) e desenvolvendo-se cada vez mais a globalização, no entanto também se assiste à reemersão de tradições e aspetos relativos às culturas. Onde é que vivemos afinal? Porque é que não trabalhamos em sintonia? Eu vejo no modo de proceder dos “ignorantes” samoanos o reconhecimento que nós não somos elefantes solitários, nós somos pessoas e as pessoas precisam umas das outras para sobreviver. Noto também sintonia no seu comportamento. 
Os samoanaos a que me tenho referido são também exemplo de defensores de pensamento moderado. Não “fazem diretas” para descobrir a cura contra a sida - evitam a sida, e com sida pode entender-se problemas. Se esse pensamento excessivo se tem tornado vantajoso para, por exemplo, a cura de algumas doenças tendo evitado a morte escusada? Sim, sem sombra de dúvidas. Não me agrada é que essas descobertas sejam feitas para que não morram pessoas escusadamente, mas sim para regozijo de quem perde a cabeça a tentar tornar-se Deus, porque a sabedoria imensa parece ser um dos objetivos dos sujeitos em causa. 
Tuiavii e a sua tribo reconhecem que é impossível tornarem-se Deus ou algo que a Ele se assemelhe, portanto não perdem a sua vida a pensar demais, não perdem a vida a não viver, ou seja mortos, porque o inverso não pode acontecer: não podemos passar a morte a viver. Pela mesma razão tentam viver com Deus, e fazem-no em harmonia (“Se não podes vencê-los, junta-te a eles”). 
Deste modo, concluo que Ser é, afinal, simples, talvez até mais simples do que existir, de modo que o que o torna exigente são as coisas desnecessárias pelas quais estamos rodeados e das quais nos fazemos depender e que a análise com profundidade do sentido da obra é irrealizável pela mesma razão - a simplicidade. 
Inicialmente, quando me preparava para ler o livro e tendo em conta alguns textos de antemão, relaxei-me: “Claro que o livro vai voltar-se mais para a Moral.” 
Depois de o ler propus a criação de um capítulo intitulado Ética ou Moral no Papalagui?, olhei para alguns excertos que me prenderam mais a atenção e decidi-me: “Não, não, a Ética enquadra-se melhor ao livro pois há, no pensamento do chefe de tribo de Tiavéa um esforço para a reflexão sobre os valores mais de solo europeu ou mais de solo samoano.” 
Depois baralhei-me, confundi-me, misturei-me, perdi-me...e voltei a uma posição, não tanto no estado sólido como a primeira ou a segunda que tomara, mas de algum modo estável, pelo menos o suficiente para me suportar: “Apesar de todos os esforços de Tuiavii, este não parece entender valores como o dever, pelo menos da maneira que os europeus o entendem, ou supostamente o deveriam entender, e lidam com ele. Parece que tenta misturar culturas imiscíveis…”. 
E depois...depois percebi que ele é do mais autêntico Ser e se alguém vive na Ética, a sua maneira de agir ou criticar será de acordo com a sua Moral, que é a Ética. “Agora está um pouco mais claro…”
Adália Almeida (10ºB - AEAAV) in   «O PAPALAGUI» Análise da obra segundo os valores éticos, estéticos, políticos e religiosos.