Desigualdade de oportunidades

Li há algum tempo, no Público, que um estudo recente da Direcção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência (DGEEC) diz o seguinte: «Entre os alunos cujas mães têm licenciatura ou bacharelato, a percentagem de ‘percursos de sucesso’ no 3.º ciclo é de 71%, enquanto entre os alunos cujas mães têm habilitação escolar mais baixa, equivalente ao 4.º ano, a mesma percentagem de ‘percursos de sucesso’ é de apenas 19%.» E acrescenta que a disparidade de resultados «é muito acentuada, especialmente tendo em atenção que uma das funções do ensino público é nivelar as oportunidades entre os alunos de diversas origens».
Tenho escrito sobre este assunto de forma cansativa. Para não me repetir mais, vou sintetizar o que penso:
1. O conceito horroroso de desigualdade que quase todos criticam como papagaios não é um horror em si; a desigualdade é natural, humana, a igualdade é que não;
2. o que é horroroso é a existência de desigualdade de partida, à nascença;
3. devia existir igualdade de oportunidades (aos 18 anos – no fim da escolaridade obrigatória) e, depois, cada um deveria ter a desigualdade, pela positiva ou pela negativa, que o mérito próprio lhe pudesse permitir;
4. assim, no final da vida, deveria haver uma natural desigualdade de chegada.
Como nos podemos aproximar de uma igualdade de oportunidades aos 18 anos? Existem soluções possíveis para anular o determinismo económico. E também existem hipóteses de a Escola esbater as desigualdades culturais do meio familiar: impedindo, por exemplo, que seja o agregado de residência a formatar os jovens, pois tal tarefa deveria ser entregue à Escola. Isto, não preconizando internatos de qualquer tipo, seja espartano ou inglês. Mas o tempo de escola deveria ser muito superior, para a cultura de origem não prevalecer na formação.
É precisamente neste campo que a notícia se insere. E retenho-a por duas razões.
Primeiro, porque é necessário que os programas de ensino sejam muito alterados. Não só por via dos conteúdos, claro, mas sobretudo para se tornarem, na teoria e na prática, rigorosamente iguais para todos os alunos até aos 18 anos e, simultaneamente, até ao fim da escolaridade obrigatória. Ora, os «especialistas» em Educação que ouço são contra
Em segundo lugar, eu não me conformo com a ideia de haver uma lotaria no nascimento. E de, pelo facto de nascer nesta família portuguesa ou naquela família do Sudão, uma criança estar, com elevadíssima probabilidade, a ser condenada a ter ou não instrução, a viver com conforto e saúde ou na miséria e na doença. A ausência de oportunidades à nascença é um mal maior. Mas, certamente pelo facto de essa ideia colidir com alguns pressupostos culturais, não ouço ninguém defender o mesmo do que eu. As pessoas não reagem. As de «direita» preconizam a desigualdade de partida: partimos para a corrida da vida com quilómetros de distância uns dos outros. As de «esquerda» defendem a igualdade de chegada: estejamos onde estejamos, temos de chegar todos ao mesmo tempo à chegada. E eu repito que a desigualdade de partida é a maior das injustiças. Porque é a desigualdade aplicada aos inocentes. Enquanto – se houver igualdade à partida – a desigualdade de chegada é aplicada aos culpados. Que não quiseram estudar tanto, trabalhar tanto, esforçar-se tanto como os outros. E são livres de não o querer fazer. Mas não podem esperar tanto como os demais: contribuíram menos para a sociedade, recebem dela menos.
Mas o que mais me espanta é o facto de os mais desfavorecidos, que são a maioria, não protestarem; nem levantarem sequer a questão. É que os privilegiados, percebe-se: está tudo bem com eles. Agora os outros? É por não terem voz? Experimente-se acabar com o futebol, a ver se não têm voz. Viravam o país do avesso. Durante estas duas semanas que passaram, o assunto surgiu e, tal como surgiu, desapareceu dos holofotes. O país não se mexeu. Nem os líderes de opinião, nem os movimentos políticos, nem os pais, nem os professores. Será que concordam com este estado de coisas? Ou será que têm uma opinião parecida com a minha, mas acham que não há nada a fazer?
Se, calhar, vão dizer que é «utópico», que é a solução ideal para baixar os braços.
Luís Valente Rosas in visao.sapo.pt