Kant e a ONU

Os enunciados filosóficos desenvolvidos por Immanuel Kant, ainda no século XVIII, se demonstram extremamente atuais, proporcionam uma compreensão ampla e precisa do panorama axiológico e deontológico das relações internacionais dos Estados até o contexto hodierno. Não poderia ser diferente, pois a principal instituição internacional contemporânea, a Organização das Nações Unidas (ONU), a qual é composta atualmente por 193 paísesmembros, tem inspirações diretas na filosofia kantiana, desde sua criação como também em seus objetivos precípuos de manutenção da paz e do desenvolvimento político, diplomático e de promoção da justiça em todos os países do mundo por excelência. Como sinaliza Saldanha e Andrade: A Organização das Nações Unidas, por si só, se traduz na ideia de “federação”, instituída por Kant, no segundo artigo definitivo de À Paz Perpétua. Uma federação pacífica é para ele uma associação com o fim de preservar e assegurar a liberdade de cada Estado em si mesmo, juntamente com a de outros Estados confederados. A corroborarem este entendimento estão o preâmbulo e o art. 4º, parágrafo 1º, da Carta, o qual dispõe que a “admissão como membro das Nações Unidas fica aberta a todos os Estados amantes da paz que aceitarem as obrigações contidas na presente Carta (...)”, o que significa que a Organização não faz distinção entre as nações, todas podem integrá-la desde que desejem a paz. (SALDANHA; ANDRADE, 2008, p. 133). Em seu opúsculo “À Paz Perpétua”, publicado em 1795, Kant introduz a paz, foco principal de estudo desta obra, não como um ideal abstrato, mas a revela como o único caminho a ser percorrido para a manutenção de um Estado pacífico mundial. Também através de seu estudo, é apresentado pela primeira vez - na obra “Metafísica dos Costumes”, em 1798 - o conceito de imperativo categórico como o dever de toda pessoa agir conforme os princípios que ela deseja que sejam universais, imperativo, este, como uma obrigação incondicional, ou uma obrigação que se tem independentemente da vontade ou desejos subjetivos (em contraste com o imperativo hipotético), no categórico a ação é boa em si. Nascida oficialmente em 24 de outubro de 1945, com o objetivo de evitar atrocidades futuras tais como ocorridas na recente segunda guerra mundial, a Organização das Nações Unidas – ONU enumera como objetivos basilares de sua instituição a fomentação das relações cordiais entre as nações, promoção do progresso social, de melhores padrões de vida e dos direitos humanos. Estando inclusos os objetivos supracitados de manutenção da paz e do desenvolvimento como um todo de todos os países do mundo.
Destes objetivos, é possível analisar a clara relação com os conceitos kantianos acima expostos, na medida em que Kant já propunha a criação de uma Federação de Estados Soberanos com a ideia de um contrato social originário entre os Estados, com a elaboração de um congresso permanente de Estados, ao qual todo vizinho está livre para juntar-se. Apresentava também a compreensão de paz não como uma simples trégua, mas uma efetiva conversão da guerra em paz, em que a guerra não mais seria necessária. Como o imperativo categórico de Kant está intrinsecamente ligado à ética universal, os princípios de solidariedade e comunhão dos povos que se pode abstrair dos objetivos da ONU têm íntima relação com este conceito. Frente à abordagem kantiana do direito, se procurou evidenciar um estudo sobre as atribuições jurídicas, políticas e diplomáticas da Organização das Nações Unidas – ONU, bem como de sua estrutura. Objetiva-se com essa pesquisa realizar um comparativo entre a Federação de Estados Soberanos prevista por Kant e a ONU, e, com base nessa análise, elucidar formas de a ONU continuar evoluindo em direção aos fins a que se propõe. O presente tema foi escolhido, pois a paz mundial é um ideal que a humanidade objetiva com grande fervor, mas que ainda há muitos passos a serem dados nessa direção para sua conquista efetiva. No momento da história da humanidade o qual vivemos nunca se falou tanto em paz e em ética e o quão fundamentais são para a construção de uma sociedade mais justa. É um momento propício para analisarmos os erros e acertos, para construirmos uma sociedade mais justa e igualitária com o devido fundamento nos direitos humanos. As relações entre os Estados e o Direito Internacional Público estão em um constante dinamismo e evolução, e a Organização das Nações Unidas quase sempre se coloca como agente direto dessas relações. A aplicação da filosofia kantiana funciona como auxiliador, mas ao mesmo tempo impulsionador da pesquisa, pois o filósofo Immanuel Kant foi um dos precursores na compreensão da paz como uma alternativa definitiva à guerra. 
Thiago F. S. de Oliveira in fd.uc.pt