O patriotismo na educação - Bertrand Russel

Todo o homem tem um certo número de objectivos e de desejos, uns puramente pessoais, outros do tipo que pode ser partilhado com muitos outros. A maioria dos homens deseja dinheiro, por exemplo, e a maioria dos meios de enriquecer implica certo grau de cooperação com um grupo. De que grupo se trata depende do meio particular de enriquecer que se considere. Duas firmas diferentes do mesmo ramo de negócio são rivais entre si na maioria das coisas, mas quando se trata de obter uma tarifa aduaneira proteccionista cooperam uma com a outra. O dinheiro, é claro, não é a única coisa que leva as pessoas a constituírem-se em grupos de tipo político. Os homens organizam-se também em igrejas, irmandades, academias eruditas, maçonarias, e muitas outras coisas. Os motivos que levam os homens a cooperar são muitos: um deles é a identidade de interesses; outro é a identidade de opinião; laços de sangue são ainda um terceiro. A família Rothschild coopera devido a laços de sangue; não precisaram estabelecer os laços formais de uma escritura de constituição de sociedade, porque podiam, à partida, confiar uns nos outros, e grande parte do seu êxito deveu-se ao facto de haver um Rothschild em todos os centros financeiros importantes da Europa. Uma forma de cooperação baseada na identidade de opiniões pode ver-se na obra filantrópica dos quacres no pós-guerra. Foi-lhes fácil trabalhar harmoniosamente em conjunto porque havia entre todos eles uma grande semelhança de pontos de vista. Laços de comunidade de interesses constituem a base de organizações como sociedades anónimas e sindicatos.
Um dado grupo de homens organizados para um dado objectivo tem, colectivamente, apenas o objectivo que levou à existência da organização. A sua mentalidade é, em consequência, muito mais simples e crua que a de qualquer indivíduo. A Sociedade de Pesquisas, por exemplo, preocupa-se apenas com pesquisas psíquicas, embora cada um dos membros que a constituem se interesse também por muitas outras coisas. A Federação das Indústrias Britânicas apenas se preocupa com as indústrias britânicas, embora cada um dos seus membros, individualmente, se possa interessar pelo teatro ou pelo críquete. Uma família no seu conjunto, apenas se interessa pelas fortunas da família, e é levada, muitas vezes a sacrificar algum dos seus membros em nome desse interesse colectivo.
Paixões politicamente organizadas são muitíssimo mais poderosas que paixões que permanecem não-organizadas. As pessoas que gostariam de ir ao cinema aos Domingos são uma multidão totalmente desorganizada, e portanto não contam politicamente. Os defensores do sabatarianismo, que não desejam que eles vão ao cinema aos Domingos, são um grupo organizado e têm, por isso mesmo, influência política. Os proprietários de cinemas também são um grupo organizado. Por conseguinte, sob o ponto de vista político, o problema da abertura dos cinemas aos Domingos reduz-se a um conflito entre os proprietários dos cinemas e os sabatarianistas, conflito em que os desejos do público em geral não contam.
Um dado homem pode pertencer simultaneamente a várias organizações, umas úteis, outras prejudiciais, outras simplesmente inocentes. Pode pertencer, por exemplo, aos Fascistas Britânicos, ao clube de futebol da sua vila, e a uma sociedade de pesquisas antropológicas. Nesta terceira capacidade é louvável, na segunda, inocente, e na primeira, abominável. Ele é, portanto, uma mistura de bom e de mau, mas as organizações a que pertence têm características éticas simples, para o bem ou para o mal, que se não encontram nos seus membros. O que determina, se uma organização é boa ou má é o objectivo para o qual os homens se organizam, e não o carácter dos homens que integram essa organização.
Estes considerandos um tanto ou quanto banais servem para nos levar aos resultados curiosos que resultam do facto de os homens se organizaram em estados. Em quase todos os países civilizados o estado é a mais poderosa das organizações a que um homem pertence, e portanto os seus objectivos como membro de um estado são politicamente mais eficazes que qualquer dos seus outros objectivos. Torna-se portanto importante considerar quais são os objectivos do estado moderno.
As funções do estado são em parte internas, e em parte externas. Para os propósitos desta análise incluo o poder local entre as funções do estado. E poderemos começar por dizer, em termos muito gerais, que os objectivos internos do estado são bons, enquanto os seus objectivos externos são maus. Esta afirmação, é claro, é demasiado simplista para poder ser literalmente verdadeira, mas como primeira aproximação é útil. Os objectivos internos do estado incluem questões como a construção e manutenção de estradas, electrificação, educação, as forças policiais e a lei, os correios, e assim por diante. É possível discordar deste ou daquele pormenor da administração pública, mas só um anarquista extremo sustentaria que tais finalidades são, em si mesmas, indesejáveis. Por conseguinte, quanto às suas actividades internas, o estado, na generalidade, merece a lealdade e o apoio dos seus cidadãos.
Mas quando chegamos aos seus objectivos externos a questão é muito diferente. Em relação ao resto do mundo, os objectivos de um grande estado são dois: defesa contra a agressão exterior, e o apoio aos seus cidadãos na exploração do estrangeiro. Podemos conceder que a defesa contra a agressão externa, desde que genuína e necessária para evitar uma invasão, é uma função prima facie útil. Mas a dificuldade surge pelo facto de serem os mesmíssimos meios necessários para evitar as invasões que são também convenientes para promover a exploração estrangeira. Os principais estados do mundo pretendem cobrar um tributo económico da mão-de-obra e da riqueza mineral de países menos poderosos, e utilizam, para cobrar esse tributo, as forças armadas cujo objectivo nominal é defensivo. Quando, por exemplo, se verificou que havia ouro no Transval, os ingleses invadiram-no. Lord Salisbury apressou-se a garantir à nação que “nós não procuramos minas de oiro”. Mas, desta ou daquela maneira, acontece que fomos onde estavam as minas de oiro, e que no fim da guerra nos encontramos, acidentalmente, na posse delas. Para dar outro exemplo: toda a gente sabe que os ingleses foram para o sul da Pérsia movidos pelo desejo de beneficiar os persas do sul, mas parece-me duvidoso que nos tivéssemos interessado tanto pelo seu bem-estar se eles não habitassem numa região riquíssima em petróleo. Considerandos bastante semelhantes poderiam fazer-se acerca de algumas das actividades dos Estados Unidos da América na América Central. De igual modo, os motivos que levaram o Japão à Manchúria são os mais nobres possíveis; mas acontece que tais motivos, por um curiosíssimo acidente, coincidem com os interesses dos japoneses.
Não me parece exagerado afirmar que, nos nossos dias, a grande maioria das actividades externas dos estados poderosos se centram na utilização, ou ameaça de utilização, das suas forças armadas, com o fim de extorquir às nações menos poderosas riquezas que legalmente pertencem a estas. Actividades deste tipo, praticadas ao nível do indivíduo, são consideradas criminosas, e são punidas pela lei, a menos que sejam efectuadas numa escala muitíssimo grande. Mas quando praticadas pelas nações são consideradas actos admiráveis pelos cidadãos das nações em causa.
Ora isto traz-me, finalmente, ao assunto deste capítulo, isto é, ao ensino do patriotismo nas escolas. Para bem poder julgar tal ensino, é necessário ter ideias claras não apenas acerca das suas intenções, mas também acerca dos seus efeitos reais. O patriotismo, nas suas intenções, e no pensamento daqueles que o defendem, é uma coisa em grande parte positiva. O amor pelo lar, o amor pela terra natal, mesmo um certo grau de orgulho nas suas realizações históricas, na medida em que estas mereçam tal orgulho, não é nada de lastimar. Trata-se de um sentimento complexo, que em parte deriva de um real amor pela terra e por ambientes familiares, em parte de algo análogo a um amor familiar alargado. As raízes deste sentimento são em parte geográficas, em parte biológicas. Mas este sentido primitivo não é, em si mesmo, nem político, nem económico. É um sentimento para com o próprio país, e não um sentimento contra outros países. Na sua forma primitiva, dificilmente se encontra, excepto entre os que vivem em ambientes rurais e que pouco ou nada viajam. O habitante urbano que muda de habitação com muita frequência e que não possui um palmo de terra a que possa chamar seu, tem muito menos que o proprietário rural ou o camponês esse sentimento primitivo de onde cresce o patriotismo. O habitante urbano, em vez disso, possui um sentimento em grande parte artificial, que é sobretudo produto da sua educação e dos jornais que lê, e que é quase totalmente daninho. Tal sentimento é muito menos um amor pelo próprio lar e pelos seus compatriotas que um ódio aos estrangeiros e um desejo de se apropriar dos seus países. Como a maioria dos maus sentimentos, aparece disfarçado de lealdade. Se se deseja que um homem cometa qualquer crime abominável, do qual ele naturalmente recuaria horrorizado, é preciso primeiro ensiná-lo a ser leal a um gangue de criminosos, e depois fazer com que o tal crime lhe pareça um belo exemplo da virtude da lealdade. Deste processo, o patriotismo é o exemplo mais acabado. Tomemos, por exemplo, a reverência à bandeira. A bandeira é o símbolo da nação na sua capacidade marcial. Sugere batalhas, guerra, conquistas, feitos heróicos. Para um súbdito britânico, a bandeira britânica sugere Nelson e Trafalgar, e nunca Shakespeare, Newton ou Darwin. As coisas feitas por ingleses para fazer avançar a civilização da humanidade não foram feitas sob o símbolo da bandeira, e não nos vêm à ideia quando se venera esse símbolo. É que os melhores e mais nobres feitos de ingleses foram realizados por eles não como ingleses, mas como indivíduos. Os feitos que os ingleses praticam com a consciência de serem ingleses, e porque são ingleses, são geralmente de tipo menos admirável. Mas são precisamente estes últimos feitos que a bandeira nos convida a admirar. E isto, que é verdadeiro em relação à bandeira inglesa, é igualmente verdadeiro em relação à bandeira americana ou à de qualquer outra nação poderosa.
Em todo o mundo ocidental ensina-se aos rapazes e às raparigas que a sua lealdade social mais importante é para com o estado de que são cidadãos, e que o seu principal dever para com o estado é agir de acordo com as ordens do governo. Para evitar que possam vir a pôr em questão tal doutrina, ensina-se-lhes então falsa história, falsa política, falsa economia. São informados de todas as malfeitorias de estados estrangeiros, mas nem uma palavra acerca das malfeitorias do seu próprio estado. São levados a supor que todas as guerras em que o seu estado se viu envolvido foram guerras de defesa, enquanto as guerras dos estados estrangeiros são guerras de agressão. Ensinam-lhes a acreditar que quando, ao contrário do que geria de esperar, o seu próprio país conquista uma nação estrangeira, o fez apenas para espalhar a civilização, ou para difundir a luz do evangelho, ou para elevar a moralidade dos nativos, ou para qualquer outro fim igualmente nobre. Ensinam-lhes que as nações estrangeiras não têm padrões morais e que, como afirma o hino nacional britânico, é dever da providência “frustrar as suas maldosas traições” ― dever no cumprimento da qual a dita providência não desdenhará utilizar-nos como seus instrumentos. O facto é que cada nação, nas suas relações com todas as outras, comete tantos crimes quantos a força das suas armas tornar possível. Os cidadãos, mesmo cidadãos extremamente decentes, dão o seu pleno consentimento às actividades que tornam possíveis tais crimes, ou porque desconhecem o que está a ser feito em seu nome, ou porque não têm dados para ver os factos numa perspectiva correcta.
A principal responsabilidade por esta aquiescência dos cidadãos em tornarem-se cúmplices inconscientes de assassínio praticado com a finalidade de roubo cabe à educação. Há quem acuse principalmente a imprensa, mas julgo que aqui se enganam. A imprensa é aquilo que o público exige, e o público exige maus jornais porque foi mal educado. O patriotismo do tipo nacionalista, bem longe de ser ensinado nas escolas, devia ser mencionado como uma forma de histeria de massas a que os homens estão infelizmente, sujeitos, e contra a qual precisam de ser fortalecidos, tanto intelectual como moralmente. O nacionalismo é, sem sombra de dúvida, o vício, mais perigoso do nosso tempo ― muitíssimo mais perigoso que o alcoolismo, ou as drogas, ou a desonestidade comercial, ou qualquer dos outros vícios contra os quais se dirige a educação moral convencional. Todos os que sejam capazes de analisar a globalidade do mundo moderno têm consciência de que, devido ao nacionalismo, está em perigo a própria viabilidade de continuação de um modo de vida civilizado. Isto, mantenho, é um facto bem conhecido de todas as pessoas bem informadas em assuntos internacionais. Não obstante, e por toda a parte, os dinheiros públicos continuam a ser gastos na propagação e intensificação deste vício destruidor. Todos aqueles que acham que se não deve ensinar às crianças que as matanças indiscriminadas são a forma mais nobre do esforço humano são denunciados como renegados e como amigos de todas as nações menos da sua. Poder-se-ia supor que a simples afeição natural levaria muitas pessoas a sentir desgosto ao pensar que os seus filhos morrerão em grande sofrimento. Mas tal não acontece. Embora o perigo seja bem patente, todas as tentativas para o enfrentar são consideradas criminosas pela maioria dos detentores do poder na maioria dos países. Apresenta-se o serviço militar como uma nobilitante preparação para a defesa da pátria, e ninguém diz uma só palavra para dar aos jovens consciência de que as operações militares do seu próprio país, supondo que este é um país poderoso, serão muito mais provavelmente operações de agressão exterior que de defesa da pátria.
São várias as objecções que se podem levantar ao ensino patriótico. Em primeiro lugar temos a objecção que já considerámos: que, a menos que a virulência do nacionalismo possa ser eliminada, a civilização está condenada. Há, depois, a objecção de que não será possível ensinar ideais de conduta humanos e civilizados numa instituição que, ao mesmo tempo, ensina as pessoas a matar. Há a objecção de que o ensino do ódio, que é uma parte essencial de uma educação nacionalista, é em si mesmo uma coisa má. Mas, além e acima de todas estas, temos ainda a objecção puramente intelectual de que o ensino do nacionalismo implica necessariamente o ensino de proposições falsas. Em todos os países do mundo as crianças são ensinadas que o seu país é o melhor do mundo, e em todos os países, excepto um, tal proposição tem de ser falsa. E, uma vez que será impossível levar as nações a acordar entre si qual a nação em que tal proposição é verdadeira, o melhor seria abandonar desde já o hábito de sublinhar os méritos de uma nação a expensas de todas as outras. A ideia de que aquilo que se ensina às crianças deveria ser, se possível, verdadeiro é, sei-o bem, uma ideia subversiva, e em certas das suas aplicações chega a ser ilegal. Mas, mesmo assim, não consigo resistir à convicção de que a instrução é melhor quando ensina a verdade do que quando ensina a falsidade. A história deveria ser examinada exactamente da mesma maneira em todos os países do mundo, e os manuais de história para uso nas escolas deveriam ser preparados pela Sociedade das Nações, com um assistente dos Estados Unidos da América e outro da União Soviética. A história a ensinar deveria ser história mundial, de preferência a história nacional, e deveria sublinhar temas de importância cultural de preferência a guerras. Na medida em que será preciso falar de guerras, estas deveriam ser ensinadas não apenas do ponto de vista do vencedor, e dos feitos heróicos. O aluno deveria ser encorajado a demorar-se nos campos de batalha, entre os feridos, deveria ser levado a sentir a tragédia dos desalojados nas regiões devastadas, e deveria tomar consciência de todas as crueldades e injustiças a que a guerra dá oportunidade. Nos nossos dias, quase todo o ensino é do tipo destinado a glorificar a guerra. E contra o ensino das escolas, todos os esforços dos pacifistas são em vão. Isto, é claro, aplica-se principalmente às escolas dos ricos, que, por toda a parte, são intelectual e moralmente inferiores às escolas dos pobres. As crianças aprendem, na escola, os defeitos das outras nações, mas não os da sua. Ora conhecer os defeitos de outras nações apenas conduz a um autoconvencimento e a sentimentos guerreiros, enquanto saber os defeitos da própria nação seria imensamente salutar. Qual será o rapazinho inglês que aprende na escola a verdade acerca do papel dos Black and Tans na Irlanda? Que rapazinho francês aprenderá a verdade acerca da ocupação do Ruhr por tropas africanas? Qual será o rapaz americano que aprende os factos reais acerca de Sacco e Vanzetti, ou Mooney e Billings? Devido a tais omissões o cidadão comum de todos os países civilizados vive embrulhado em autocomplacência. Sabe acerca de outras nações tudo o que ignora acerca da sua própria; mas não sabe acerca da sua aquilo que os outros sabem.
Muito do ensino do patriotismo, embora intelectualmente mal orientado, é moralmente inocente. Os homens que o ensinam foram, eles próprios, ensinados no sistema errado, e aprenderam a sentir que, num mundo em que os estrangeiros são tão malvados, só grandes esforços militares podem salvar do desastre o seu próprio país. Contudo, existe uma faceta menos inocente da propaganda patriótica. Há grandes interesses que ganham muito dinheiro com isso; e não são apenas as indústrias de armamentos, são também aqueles que fizeram investimentos naquilo a que se chama países subdesenvolvidos. Se se possuem, digamos, poços de petróleo num país bastante instável, as despesas para obter esse petróleo dividem-se em duas partes ― primeiro, as despesas normais, técnicas, para extrair esse petróleo, e depois as despesas militares e políticas necessárias para manter os “indígenas” na ordem. Só a primeira parte destas despesas recai sobre o investidor; a segunda parte das despesas, que chegam a ser muito maiores, recai sobre os contribuintes, que são induzidos a suportá-las por meio da propaganda patriótica. Deste modo se vai desenvolvendo uma conexão extremamente indesejável entre o patriotismo e a finança. E aqui está mais um facto que se evita cuidadosamente que os jovens venham a conhecer.
O patriotismo, nas suas formas mais militantes, está intimamente ligado com o dinheiro. As forças armadas do estado podem ser, e são com frequência, utilizadas para promover o enriquecimento dos seus cidadãos. Isto é feito, em parte, pela exigência do pagamento de tributos ou indemnizações, em parte pela cobrança compulsiva de dívidas que sem isso seriam repudiadas, em parte pela apreensão de matérias-primas, e em parte ainda pelo estabelecimento compulsivo de tratados comerciais. Se todo este processo não fosse coberto pelo fascínio do patriotismo, a sua sordidez e maldade seriam evidentes a toda a gente de juízo. Seria relativamente fácil à educação, se os homens quisessem, produzir um forte sentido de solidariedade, entre o género humano, da importância da cooperação internacional. Seria possível extinguir, numa geração, esse nacionalismo veemente de que o mundo hoje sofre. Numa geração seria possível baixar essas tarifas aduaneiras por meio das quais todos nos fazemos mais pobres, abolir os armamentos dispendiosos com que nos ameaçamos uns aos outros de morte, e o ódio raivoso com que todos nos prejudicamos poderia ser substituído pela boa vontade. O nacionalismo que é hoje, por toda a parte, luxuriante, é principalmente um produto das escolas, e se realmente desejamos que seja eliminado, a educação tem de ser dominada por um espírito totalmente diferente.
Este assunto, como o do desarmamento, tem de ser tratado por meio de acordos internacionais. Talvez que a Sociedade das Nações, se conseguir desviar algum tempo da sua actividade de desculpar agressores, venha a tomar consciência, mais cedo ou mais tarde, da importância deste assunto. Talvez seja possível levar os governos a concordarem com um ensino uniforme da história. Talvez que depois da próxima guerra mundial os sobreviventes, se houver alguns, possam juntar-se e decidir substituir as suas bandeiras nacionais pela bandeira da Sociedade das Nações.
Mas estes são, sem dúvida, sonhos utópicos. Faz parte da natureza dos professores ensinar o que sabem, por pouco que isso seja. Imaginem os professores ingleses de história ameaçados por meio de um acordo internacional com a necessidade de ensinar história mundial. Teriam de andar à procura da data da Hegira ou da da queda de Constantinopla. Teriam de saber qualquer coisa acerca de Genghis Khan e de Ivan, o Terrível, de como a bússola de marear se difundiu da China até aos marinheiros árabes, que foram os gregos os primeiros a fazer estátuas de Buda. A sua indignação perante exigências tão consumidoras do seu precioso tempo não teria limites, e agitar-se-iam sem cessar no sentido de levar ao poder um governo decidido a desobedecer à Sociedade das Nações. A energia activa do nosso tempo, em todo o mundo ocidental, é uma empresa capitalista, e é na generalidade uma força dirigida à destruição. A classe de homens que deveriam esforçar-se por criar algo de melhor, tais como os professores, estão na sua maioria relativamente satisfeitos com o status quo. Qualquer melhoria social implicaria uma modificação das suas lições e, só por causa disso, tem de ser, se possível, evitada. O esforço que desejam evitar não é só intelectual, mas também emocional. As emoções que nos são familiares vêm-nos com facilidade, e é difícil ensinarmo-nos a sentir emoções novas num contexto que nos é familiar, como quando ouvimos tocar o hino nacional. E assim o nosso mundo moderno, onde os bons são preguiçosos e só os maus têm energia, vai deslizando, como que bêbedo, para a sua destruição. Em certos momentos o homem vê o abismo, mas a intoxicação de sentimentos irreais depressa lhe fecha os olhos. Para todos os que não estão intoxicados desse modo, o perigo é perfeitamente claro. E o nacionalismo é a principal força que vai impelindo a nossa civilização para a sua ruína.
Bertrand Russell Retirado de Educação e Sociedade (Livros Horizente, Lisboa, 1982), pp. 87-95.