O diabo dos detalhes - por Marco Silva

O busílis da questão não está nos ‘offshores’ per se, está nos buracos das leis existentes que permitem a quem as criou, a classe política, usá-las para proveito próprio e a quem lhes paga para actos ilícitos sem serem detectados.

Os ‘offshores’ contêm, tal como tudo na vida, uma fonte potencial de problemas mas não são o problema. Os ‘offshores’ são como o segredo profissional ou de justiça, criados e fundamentados para actos legítimos, ainda que muitas vezes utilizados para actos ilegítimos, não existem apenas numa qualquer ilha, mas bem dentro dos sistemas denominados credíveis: Suíça, Hong Kong e EUA lideram o ranking dos maiores centros ‘offshore’ mundiais.
O risco principal é claro, facilitam actos de criminalidade através da ocultação dos donos do capital em nome das empresas registadas nessas jurisdições, facilitando a criminosos de toda a espécie receber, “lavar” e utilizar o dinheiro das suas ilicitudes. Mas essa facilitação também oferece uma excelente ferramenta de combate à criminalidade, a identificação clara de um foco de potenciais ilícitos, saber qual é fonte de um problema é mais de meio caminho andado para a secar.
O busílis da questão não está nos ‘offshores’ per se, o “diabo dos detalhes” está nos buracos das leis existentes que permitem a quem as criou, a classe política, usá-las para proveito próprio e a quem lhes paga para actos ilícitos sem serem detectados.
A evasão fiscal nem sequer lidera a lista dos problemas, fosse esse o tema principal e a Suíça já não seria o maior centro ‘offshore’ mundial devido às concessões que tem feito ao nível do sigilo bancário. Existem hoje diversos centros financeiros mais competitivos do que uma ‘offshore’ tradicional, nomeadamente no binómio fiscalidade e reputação, pelo que não é coincidência que os maiores intermediários do caso Mossack Fonseca, com excepção de Hong Kong, estejam na reputada Europa: Suíça, Jersey, Luxemburgo e Reino Unido.
Numa sondagem publicada na Offshore 2020 a mais de 300 executivos seniores da indústria, em 2014 o planeamento fiscal de empresas e particulares representava 19% do uso dado aos ‘offshores’, abaixo dos 28% relativos à protecção e gestão de património e em linha com os 19% de gestão de fundos. A solução passa por querer realmente resolver o problema e se tivermos em conta que a Mossack Fonseca é “apenas” a quarta maior empresa nestes serviços a nível mundial, importa perguntar quem são os “tubarões” que utilizam as principais?

Marco Silva in económico.sapo.pt