
Sou eu que me vou suicidar para iniciar e para provar. Ainda só sou deus sem querer e sofro porque tenho o DEVER de proclamar a minha própria vontade. Todos são infelizes porque todos têm medo de afirmar a sua vontade. Se o homem até hoje tem sido tão infeliz e tão pobre, é precisamente porque tem tido medo de afirmar o ponto capital da sua vontade, recorrendo a ela às escondidas como um jovem estudante.
Eu sou profundamente infeliz porque tenho medo profundamente. O medo é a maldição do homem... Mas hei-de proclamar a minha vontade, tenho o dever de crer que não creio. E serei salvo. Só isto salvará todos os homens e há-de transformá-los fisicamente, na geração seguinte; porque, no seu estado físico actual (reflecti nisso muito tempo), o homem não pode, de modo algum, passar sem o seu velho Deus.
Durante três anos procurei o atributo da minha divindade e achei-o: o atributo da minha divindade é a minha vontade, é o livre arbítrio. É com isso que posso manifestar sobre o ponto capital a minha insubmissão e a minha terrível liberdade nova. Porque é terrível! Mato-me para afirmar a minha insubmissão e a minha terrível liberdade nova.
Fiodor Dostoievski, in 'Os Possessos' (discurso do personagem Kirilov)