Não é por acaso que os pensadores
de hoje falam mais frequentemente da condição do homem do que de
sua natureza. Por condição eles entendem, com mais ou menos clareza,
o conjunto dos limites a priori que esboçam sua situação fundamental no
universo. As situações históricas variam: o homem pode nascer escravo
em uma sociedade pagã ou senhor feudal ou proletário. O que não varia
é a necessidade para ele de ser no mundo, no trabalho, em meio aos outros
e de ser mortal. Os limites não são nem subjetivos, nem objetivos, ou
antes, eles têm uma face objetiva e uma face subjetiva. São objetivos porque
se encontram em toda parte e em toda parte são reconhecidos; são
subjetivos porque são vividos e nada são se o homem não os vive, isto é,
se ele não se determina livremente em sua existência em relação a eles. E,
embora os projetos possam ser diferentes, pelo menos nenhum deles permanece
completamente estranho para mim, pois todos eles se apresentam
como uma tentativa para superar os limites, ou para afastá-los, ou para
negá-los, ou para acomodar-se a eles. Consequentemente, qualquer projeto,
por mais individual que seja, tem um valor universal. Todo projeto,
mesmo o do chinês, do indiano ou do negro, pode ser compreendido por
um europeu. Ele pode ser compreendido, isto quer dizer que o europeu
de 1945 pode lançar-se da mesma maneira, a partir de uma situação concebida
por ele, em direção aos seus limites, e que ele pode refazer nele o
projeto do chinês, do indiano ou do africano. Há universalidade de todo
projeto no sentido em que todo projeto é compreensível para qualquer
homem. O que não significa de modo algum que esse projeto defina o homem para sempre, mas que ele pode ser reencontrado. Existe sempre
uma maneira de compreender o idiota, a criança, o primitivo ou o estrangeiro,
desde que se tenha as informações suficientes. Neste sentido, podemos
dizer que há uma universalidade do homem, mas ela não é dada,
ela é perpetuamente construída. Eu construo o universal escolhendo-me;
eu o construo compreendendo o projeto de qualquer outro homem, de
qualquer época que seja. Este absoluto da escolha não suprime a relatividade
de cada época. O que o existencialismo faz questão de mostrar é
a ligação entre o caráter absoluto do engajamento livre, pelo qual cada
homem se realiza, realizando um tipo de humanidade – engajamento
sempre compreensível a qualquer época e por qualquer um –, e a relatividade
do conjunto cultural que pode resultar de semelhante escolha. É
preciso ressaltar ao mesmo tempo a relatividade do cartesianismo e o caráter
absoluto do engajamento cartesiano. Neste sentido, pode-se dizer,
se se quiser, que cada um de nós faz o absoluto respirando, comendo,
dormindo ou agindo de um modo qualquer. Não há nenhuma diferença
entre ser livremente, ser como projeto, como existência que escolhe sua
essência, e ser absoluto. Não há nenhuma diferença entre ser um absoluto
temporalmente localizado, isto é, que se localizou na história, e ser
compreensível universalmente.
Isso não responde inteiramente a objeção de subjetivismo. De fato,
tal objeção toma ainda muitas formas. A primeira é a seguinte: dizem-nos
que “cada um pode então fazer não importa o quê”; essa objeção se exprime
de diversas maneiras. De início, acusam-nos de anarquia; em seguida,
declaram: “vocês não podem julgar os outros, pois não há razão para preferir
um projeto a um outro”; por fim, podem nos dizer: “tudo é gratuito
no que vocês escolherem, vocês dão com uma mão o que fingem receber
com a outra”. Estas três objeções não são muito sérias. De início, a primeira
objeção: “você pode escolher não importa o quê” não é exata. A escolha
é possível em um sentido, mas o que não é possível é não escolher. Posso
sempre escolher, mas devo saber que se eu não escolher, eu escolho ainda.
Isto, ainda que pareça estritamente formal, tem uma grande importância
para limitar a fantasia e o capricho. Assim, se, diante de uma situação –
por exemplo, a situação que faz que eu seja um ser sexuado que pode ter
relações com ser de um outro sexo, que pode ter filhos –, sou obrigado a escolher uma atitude, e, de qualquer modo, eu carrego a responsabilidade
por uma escolha que, me engajando, engaja também a humanidade
inteira, mesmo enfim que nenhum valor a priori determine minha escolha,
esta não tem nada a ver com o capricho. E, se se crê encontrar aqui a
teoria gidiana do ato gratuito, é que não se vê a enorme diferença entre
esta doutrina e a de Gide. Gide não sabe o que é uma situação. Ele age por
simples capricho. Para nós, ao contrário, o homem se encontra em uma
situação organizada, na qual está engajado; por sua escolha, ele engaja a
humanidade inteira, e não pode evitar escolher: ou ele permanecerá casto,
ou se casará sem ter filhos, ou ainda se casará e terá filhos. De qualquer
modo, é impossível que ele não tenha uma total responsabilidade diante
desse problema. Sem dúvida, ele escolheu sem se referir a valores preestabelecidos,
mas é injusto taxar isso de capricho. Digamos antes que é
preciso comparar a escolha moral com a construção de uma obra de arte.
E, aqui, é preciso fazer logo uma pausa para frisar bem que não se trata de
uma moral estética, pois nossos adversários são de uma tal má-fé que até
disso nos acusam. O exemplo que eu escolhi é apenas uma comparação.
Dito isso, alguma vez já se reprovou a um artista que faz um quadro por
não ter se inspirado em regras estabelecidas a priori? Alguém, alguma vez,
já lhe disse que quadro deve fazer? Claro que não existe nenhum quadro
definido que deve ser feito, que o artista se engaja na construção de seu
quadro e que o quadro que ele fará é precisamente o quadro que ele tiver
feito. É claro que não existem valores estéticos a priori, mas existem valores
que se veem depois na coerência do quadro, nas relações que há entre
a vontade de criação e o resultado. Ninguém pode dizer o que será a pintura
de amanhã. Só se pode julgar a pintura depois que ela tiver sido feita.
Que relação isso tem com a moral? Estamos na mesma situação criadora.
Não falamos jamais da gratuidade de uma obra de arte. Quando falamos
de uma tela de Picasso, nunca dizemos que ela é gratuita. Compreendemos
muito bem que ele se construiu tal como ele é ao mesmo tempo que
pintava, que o conjunto de sua obra se incorpora a sua vida.
É a mesma coisa no plano moral. O que há em comum entre a arte
e a moral é que, nos dois casos, nós temos criação e invenção. Nós não
podemos decidir a priori o que devemos fazer. Acredito ter deixado bastante
claro ao contar o caso do aluno que veio me procurar e que poderia ter recorrido a qualquer moral, kantiana ou qualquer outra, sem encontrar
nelas nenhuma indicação. Ele foi obrigado a inventar sua própria lei.
Não diremos jamais que este homem – quer tenha escolhido ficar com
a mãe, tomando como base moral os sentimentos, a ação individual e a
caridade concreta, quer tenha escolhido ir para Inglaterra, preferindo o
sacrifício – fez uma escolha gratuita. O homem se faz, ele não está feito já
de início, ele se faz escolhendo sua moral, e a pressão das circunstâncias
é tal que ele não pode não escolher uma moral. Definimos o homem apenas
por relação a um engajamento. É portanto absurdo objetar-nos a gratuidade
da escolha. Em segundo lugar, dizem-nos: “você não pode julgar
os outros”. Isso é verdadeiro por um lado, e falso, por outro. É verdadeiro
no sentido em que, toda vez que o homem escolhe seu engajamento e
seu projeto com toda sinceridade e lucidez, qualquer que seja, aliás, esse
projeto, é impossível a ele preferir um outro. É verdadeiro no sentido em
que não acreditamos no progresso; o progresso é um melhoramento; o
homem é sempre o mesmo em face de uma situação que varia e a escolha
permanece sempre uma escolha em uma situação. O problema moral não
mudou desde a época em que se podia escolher entre os escravagistas e
os não-escravagistas, por exemplo, no momento da guerra da Secessão, e
a época atual, na qual se pode optar pelo MRP ou pelos comunistas.
Sartre in educadores.diaadia.pr.gov.br