Dialética, deus e o ateísmo

O segredo da dialéctica hegeliana consiste, em última análise, apenas em negar a teologia em nome da filosofia e, em seguida, em negar outra vez a filosofia por meio da teologia. A teologia é que constitui o começo e o fim; no meio, encontra-se a filosofia, enquanto negação da primeira posição; mas a negação da negação é a teologia. Primeiro, põe-se tudo ao contrário, mas em seguida restabelece-se tudo no seu antigo lugar, como em Descartes. A filosofia hegeliana é a última grandiosa tentativa para restaurar o Cristianismo, já perdido e morto, por meio da filosofia e, claro está, mediante a identificação, tal como em geral acontecia nos tempos modernos, da negação do Cristianismo com o próprio Cristianismo. A tão celebrada identidade especulativa do espírito e da matéria, do infinito e do finito, do divino e do humano, nada mais é do que a contradição fatal dos tempos modernos – a identidade da fé e da descrença, da teologia e da filosofia, da religião e do ateísmo, do Cristianismo e do paganismo, no seu cume mais alto, no pico da metafísica. Só assim é que esta contradição, em Hegel, se desvanece e obnubila aos olhos, porque faz da negação de Deus, do ateísmo, uma determinação objectiva de Deus – Deus determina-se como um processo e como um momento do processo do ateísmo. Mas assim como a fé restaurada a partir da descrença não constitui uma fé verdadeira, porque é sempre uma fé enredada no seu contrário, assim também o Deus restabelecido a partir da sua negação não é um Deus verdadeiro; pelo contrário, é um Deus autocontraditório, um Deus ateísta.
Ludwig Feuerbach  - Princípios da Filosofia do Futuro