Pode-se considerar que, em sentido lato, avaliar é todo o acto que permite situar algo - um facto, um comportamento, uma produção material ou intelectual, etc, numa escala de valores. Trata-se de emitir um julgamento ou juízo acerca do valor de algo, tendo em conta critérios e tomando como «medida» modelos ou paradigmas de referência, o que supõe uma medição e uma valoração comparativa. No âmbito da reflexão pedagógica a avaliação transforma-se num processo complexo que se destina a regular a aprendizagem num determinado campo disciplinar. Constitui-se como uma sequência de passos que actuam integradamente num sistema. Mas, porque a avaliação está inserida num processo de ensino-aprendizagem, podemos considerar a sua relação com esse processo, quer numa perspectiva diacrónica, quer numa perspectiva sincrónica ou estrutural. Enquanto que numa perspectiva diacrónica a avaliação é considerada como um processo que se desenrola no tempo e que se pode articular em diversos ritmos (contínuos ou descontínuos) com as estratégias e actividades de aprendizagem, permitindo assim os necessários reajustamentos aos resultados pretendidos, numa análise sistémica dir-se-á que a principal função da avaliação face ao processo de ensino-aprendizagem consiste em fornecer elementos que permitam compreender e valorar cada um dos componentes do sistema de ensino-aprendizagem (objectivos, conteúdos, meios, recursos, formas de comunicação, actividades, etc.) e o modo como opera no conjunto ou na totalidade sistémica. 1 Porém, o sentido funcional da avaliação como processo auto-regulador da aprendizagem cedeu progressivamente lugar a um conceito redutor de avaliação, já entendida como «avaliação do aluno». E é por isso que Miguel Zabalza salienta muito justamente que: «Avaliar se converteu em avaliar o aluno e acerca deste, apenas algum tipo de aprendizagem e não o seu desenvolvimento global e multidimensional. Porém, quase ninguém avalia os meios que utiliza ou as tarefas que se realizam na aula, ou as relações de comunicação, ou os conteúdos e, inclusivamente, a própria avaliação que leva a efeito.»2 Deste modo, e em consonância com estas observações, só uma reflexão que 'avalie' a própria avaliação poderá pôr em evidência todo um conjunto de problemas que, não somente constituem o objecto de uma recente área das ciências da educação - as designadas «ciências da avaliação» - , como também sugerem maior e mais aprofundada reflexão sobre temas da própria filosofia da educação. Embora seja sempre difícil falar desta dimensão didáctica da filosofia e encontrar o plano próprio de uma reflexão que, sendo de carácter pedagógico, porque centrada sobre os problemas da transmissibilidade do próprio saber \ não se constitui como mais um discurso adjectivo acerca da acção educativa, da ensinabilidade ou da legitimidade do aprendizado filosófico; por outro lado, será certamente limitadora qualquer redução, ou confinamento, da filosofia à sua dimensão escolar no sentido de uma disciplina curricular. 4 Assim sendo, é a partir do estatuto disciplinar e escolar da filosofia que a reflexão didáctica tematiza os problemas da avaliação no ensino da filosofia. Embora tendo como horizonte reflexivo todas as questões filosóficas acerca da natureza axiológica, ética ou política do próprio ensino,5 questões essas que constituem o plano da fundamentação filosófica do próprio acto educativo, tomada em sentido estrito e técnico, uma didáctica da filosofia não avalia grandes finalidades curriculares, não se pronuncia acerca da 'boa' ou 'má' filosofia que se pratica nas escolas, nem sequer do que, em absoluto, será lícito exigir aos alunos de filosofia em cada grau de ensino, no decorrer do processo de escolarização. Só uma meta-didáctica, ou seja, uma reflexão acerca do tema da avaliação a partir de uma «Filosofia da Educação» poderá revelar quanto esta questão é problemática e quão frágeis e simplistas as tentativas da sua redução aos tecnicismos das 'ciências da avaliação.
(...) A título de conclusão apontam-se como critérios orientativos a desenvolver os seguintes aspectos: -Que a avaliação em filosofia deva ser pensada integradamente no contexto dos processos de aprendizagem da própria filosofia e não concebida como um 'corpo estranho', um conjunto de 'instrumentos neutros' que permitam medir de forma objectiva o sucesso ou insucesso da aprendizagem.
- Um outro aspecto a considerar será a estrutura dos programas oficiais de filosofia e o modo como condicionam as práticas avaliativas. Por um lado, a escassez de desenvolvimento das rubricas programáticas, a ausência de textos de leitura obrigatória ou de referências temáticas precisas situadas em autores ou períodos históricos determinados, por outro, a preocupação metodológica e didáctica de deixar em aberto questões a serem 'descobertas' pelos alunos no processo da aprendizagem com o decorrer das actividades a realizar na sala de aula, se dão aos programas flexibilidade e abertura, dão-lhe também um elevado grau de indefinição. As noções de filosofia que são ensinadas no secundário são essencialmente concebidas, mais como um espaço de reflexão e de diálogo acerca da vida, do homem, dos valores, do conhecimento, do pensamento e do ser, do que como um sistema de ideias consistentes e de conteúdos definidos que possam clara e inequivocamente referir-se a pensadores, escolas ou correntes, ou momentos históricos determinados. Deste modo, o cumprimento dos objectivos do programa impõe condicionalismos internos às práticas de avaliação, as quais, como se sabe, deverão ter em conta, os objectivos da aprendizagem, os conteúdos programáticos no seu respectivo grau de complexidade e de desenvolvimento, e as estratégias didácticas utilizadas no processo de ensino-aprendizagem.
- Por outro lado, e dado que os protocolos de avaliação encerram grandes dificuldades no que diz respeito a uma aferição externa, já ao nível do grupo disciplinar, e muito maior ainda se se colocar a hipótese de uma aferição a nível regional ou nacional, sugere-se uma orientação nos processos da avaliação curricular da disciplina prioritariamente baseada nas competências ou qualidades reveladas pelo aluno ao longo da aprendizagem, e não centrada nos conteúdos. Reconhece-se, contudo, que este propósito é porventura difícil de compatibilizar com algumas exigências institucionais recentemente propostas pela legislação que acompanha a generalização da Reforma Educativa, tais como exames a nível nacional e outras formas de aferição externa.
- Por último, propõe-se ainda que a investigação didáctica no domínio disciplinar da filosofia procure centrar a avaliação em modelos qualitativos que apontem para uma visão holística da aprendizagem, tendo em conta o desenvolvimento do aluno, quer no domínio cognitivo, quer nos domínios psico-afectivo e psico-social. A aplicação de modelos de avaliação inovadores nas suas perspectivas exigiria uma concomitante formação específica dos professores na área da avaliação, já que seria necessário não somente descondicionar algumas rotinas avaliativas longamente enraizadas nos hábitos dos professores, mas simultaneamente criar condições para novas atitudes e práticas avaliativas.
Sem querer polemizar, importa no entanto mostrar como poderia ser inovadora a investigação sobre a avaliação em filosofia que revalorizasse a dimensão qualitativa revelando quão profundo e incomensurável é o que à filosofia importa. O fascínio do quantitativo conduz a uma depreciação dos processos qualitativos e gera como que um sentimento de inferioridade das disciplinas humanísticas e artísticas, onde a quantificação se afigura mais problemática e de difícil aplicação, perante as disciplinas científicas onde os métodos quantitativos imperam. Restaria ainda questionar a pseudo-facilidade da aplicação de critérios de avaliação quantitativa rigorosos em áreas como as matemáticas e as ciências da natureza e perguntar se o que se pretende alcançar com os pretendidos avanços da investigação na área das ditas «ciências da avaliação» não é antes e ainda um eco dos mitos positivistas da objectividade e do «reino da quantidade», como critérios científicos referenciais do conhecimento humano.
(...) A título de conclusão apontam-se como critérios orientativos a desenvolver os seguintes aspectos: -Que a avaliação em filosofia deva ser pensada integradamente no contexto dos processos de aprendizagem da própria filosofia e não concebida como um 'corpo estranho', um conjunto de 'instrumentos neutros' que permitam medir de forma objectiva o sucesso ou insucesso da aprendizagem.
- Um outro aspecto a considerar será a estrutura dos programas oficiais de filosofia e o modo como condicionam as práticas avaliativas. Por um lado, a escassez de desenvolvimento das rubricas programáticas, a ausência de textos de leitura obrigatória ou de referências temáticas precisas situadas em autores ou períodos históricos determinados, por outro, a preocupação metodológica e didáctica de deixar em aberto questões a serem 'descobertas' pelos alunos no processo da aprendizagem com o decorrer das actividades a realizar na sala de aula, se dão aos programas flexibilidade e abertura, dão-lhe também um elevado grau de indefinição. As noções de filosofia que são ensinadas no secundário são essencialmente concebidas, mais como um espaço de reflexão e de diálogo acerca da vida, do homem, dos valores, do conhecimento, do pensamento e do ser, do que como um sistema de ideias consistentes e de conteúdos definidos que possam clara e inequivocamente referir-se a pensadores, escolas ou correntes, ou momentos históricos determinados. Deste modo, o cumprimento dos objectivos do programa impõe condicionalismos internos às práticas de avaliação, as quais, como se sabe, deverão ter em conta, os objectivos da aprendizagem, os conteúdos programáticos no seu respectivo grau de complexidade e de desenvolvimento, e as estratégias didácticas utilizadas no processo de ensino-aprendizagem.
- Por outro lado, e dado que os protocolos de avaliação encerram grandes dificuldades no que diz respeito a uma aferição externa, já ao nível do grupo disciplinar, e muito maior ainda se se colocar a hipótese de uma aferição a nível regional ou nacional, sugere-se uma orientação nos processos da avaliação curricular da disciplina prioritariamente baseada nas competências ou qualidades reveladas pelo aluno ao longo da aprendizagem, e não centrada nos conteúdos. Reconhece-se, contudo, que este propósito é porventura difícil de compatibilizar com algumas exigências institucionais recentemente propostas pela legislação que acompanha a generalização da Reforma Educativa, tais como exames a nível nacional e outras formas de aferição externa.
- Por último, propõe-se ainda que a investigação didáctica no domínio disciplinar da filosofia procure centrar a avaliação em modelos qualitativos que apontem para uma visão holística da aprendizagem, tendo em conta o desenvolvimento do aluno, quer no domínio cognitivo, quer nos domínios psico-afectivo e psico-social. A aplicação de modelos de avaliação inovadores nas suas perspectivas exigiria uma concomitante formação específica dos professores na área da avaliação, já que seria necessário não somente descondicionar algumas rotinas avaliativas longamente enraizadas nos hábitos dos professores, mas simultaneamente criar condições para novas atitudes e práticas avaliativas.
Sem querer polemizar, importa no entanto mostrar como poderia ser inovadora a investigação sobre a avaliação em filosofia que revalorizasse a dimensão qualitativa revelando quão profundo e incomensurável é o que à filosofia importa. O fascínio do quantitativo conduz a uma depreciação dos processos qualitativos e gera como que um sentimento de inferioridade das disciplinas humanísticas e artísticas, onde a quantificação se afigura mais problemática e de difícil aplicação, perante as disciplinas científicas onde os métodos quantitativos imperam. Restaria ainda questionar a pseudo-facilidade da aplicação de critérios de avaliação quantitativa rigorosos em áreas como as matemáticas e as ciências da natureza e perguntar se o que se pretende alcançar com os pretendidos avanços da investigação na área das ditas «ciências da avaliação» não é antes e ainda um eco dos mitos positivistas da objectividade e do «reino da quantidade», como critérios científicos referenciais do conhecimento humano.
Isabel Medina Silva in centrodefilosofia.com