A Europa no Mundo

E eis que o eixo franco-alemão reúne por direito próprio e a locomotiva alemã a todo o vapor, descola. E, ainda se disse (Delors) que a Europa era um objeto político não identificado? Pois eu não lhe concebo melhor clareza política e económica se assim se continuar.

Konrad Adenauer | Joseph Bech | Johan Willem Beyen
Winston Churchill | Alcide De Gasperi | Walter Hallstein
Sicco Mansholt | Jean Monnet | Robert Schuman
Paul-Henri Spaak | Altiero Spinelli

Estes os líderes que inspiraram a criação da União Europeia. Os fundadores acreditavam numa Europa em paz, unida e próspera. Da Europa dos pequenos passos (gradua lista) até à Europa dos cafés de Steiner, qual a realidade que se vive hoje afinal?
Recriar a Família Europeia, era, nomeadamente para Churchill a ideia da conjugação da ação política na Europa. Lembremos o Discurso de Winston Churchill em Zurique (19 de Setembro de 1946):
Desejo falar-vos, hoje, sobre a tragédia da Europa. Este nobre continente, englobando no seu todo as mais agradáveis e civilizadas regiões da terra, gozando de um clima temperado e equilibrado, é a terra natal de todas as raças originais do mundo ocidental. É a fonte da fé cristã e da ética cristã. É a origem da maior parte da cultura, das artes, da filosofia e da ciência, tanto dos antigos como dos modernos tempos. Se a Europa tivesse alguma vez ficado unida na partilha do seu património comum, não haveria limite à felicidade, à prosperidade e à glória dos seus trezentos ou quatrocentosmilhões de habitantes. Mas foi da Europa que jorrou essa série de assustadoras quezílias nacionalistas, originadas pelas nações teutónicas, a que nós assistimos ainda neste século XX e no nosso tempo, arruinando a paz e frustrando as expectativas de toda a humanidade. E a que situação foi a Europa reduzida?
Churchill não propõe, apenas, um ideal para a possibilidade para a sua realização. Tem a consciência de que este empreendimento só pode ser realizado se existir entre os europeus, uma herança e futuro Comum, nessa espécie de Estados Unidos da Europa.
A Sociedade das Nações não falhou pelos seus princípios ou conceções. Ela falhou por causa dos governos desses dias recearem enfrentar os factos agindo enquanto havia tempo. Esse desastre não pode repetir-se! Lembrou W. Churchill
Os Europeus tinham de recuperar a capacidade de viver juntos através das suas forças criadoras.
Winston Churchill conhecia bem as ideias para a Europa apresentadas durante o período entre as duas guerras, e desde essa altura que acreditava na possibilidade de uns “Estados Unidos da Europa”. Considerava uma boa ideia, sobretudo, porque implicava a ideia de união, contra os ódios. No entanto, já nesse tempo, Churchill tinha consciência do natural afastamento da Grã-Bretanha em relação ao projeto europeu: “Nós estamos com a Europa, mas sem fazermos parte dela. Temos interesses comuns, mas nós não queremos ser absorvidos: permaneço no seio do meu povo”.
Todavia sentia a consciência de que Uma União Europeia sem o Reino Unido ficaria muito mais dominada pela dimensão política e económica da Alemanha, o que se refletiria num desequilíbrio evidente, dada a fragilidade e declínio económico da França. Ele tinha profundo entendimento acerca do modo de construir a Europa, a Europa a que eu gostaria de chamar a dos Laços de Pertença, da igualdade de direitos, da que respeita a justiça, da que só sabe comunicar a sua força em solidariedade, a Europa do Estado de Direito, este tão profundamente macaqueado que facilmente permitiu o pulular de políticas popularuchas, desintegradas da cultura de cidadania, desinteressadas dos interesses dos homens, demagogicamente colocadas nas secretas associações privadas ou nas arruadas sem eira que as conceba ou beira que as suporte.
Há quem refira, a propósito da democracia inglesa que, somar a uma família real na chefia do Estado mais de 800 lordes vitalícios que supervisionam a legislação dos eleitos do povo é, formalmente, pouco democrático e, no entanto, muito se refere e exalta a democracia inglesa e não se o faz em vão. Bem se sabe. Contudo na democracia inglesa, diga-se, que o poder é igualmente assegurado por pessoas que têm direito a ele apenas por terem nascido na família “certa”. Mas não nos cabe colocar em questão, neste momento, a vitalidade e a legitimidade desta democracia que tantas provas deu e dá, a não ser para, talvez não esquecer o quanto a mesma pode desunir dentro de si mesma o núcleo que a fez dourar ainda que sob os defeitos que se lhe apontaram.
Escutei na Universidade Nova alguns debates que desembocaram na chamada geopolítica da desunião. Lembrei há pouco tempo, numa reflexão sobre os desafios da Europa, o quanto nós somos os mesmos que construímos a Europa, esta Europa que não explicámos, nem ensinámos a sentir ou a lutar nela pelo bem comum. Nós somos os mesmos do tal lixo financeiro com que vamos aceitando cognomes de porcos países consoante amemos mais ou menos a submissão total a um materialismo estonteado. Nesta mão de destino com que querem impor o medo na alma dos povos ao seu justo direito de, em conjunto, serem felizes pelo progresso e pelos valores comuns, a esta mão de destino, há que a substituir por uma força que será aquela que, sobretudo, quando os países apartados estejam na discussão dos destinos, nunca desconheça o retorno comum às arribas da verdade da vida dos povos, e de um estar cultural na Europa também e enquanto desafio ao imenso caos do mundo.
Existe uma necessidade de ordem poética e de verdade interna à linguagem com que se identificam as realidades na Europa de hoje. Há que dar significado ao universo informe que nos desorienta e comanda. Há que derrubar de vez a falsíssima ideia que existe uma equivalência entre inspiração e libertação, tal como ainda há pouco li. Basta que esta “inspiração” que temos vivido assente na obediência cega ao impulso de uma despudorada escravidão para que se entenda que a mesma surge pelo desconhecimento entre o que se é e o que se sabe realmente. Entre o que se tem de rechaçar por incompatibilidade total e o que se tolera por circunstância do mundo tolerante.
Digamos que tudo o que conhecemos é um método aceite, e esse não deverá ser o consentido na Europa, naquela única que sempre reconhecerá sim, a sua dívida para com os clássicos.

Teresa Bracinha Vieira in e-cultura.blogs.sapo.pt - Junho 2016