Precisamos mais de estabilidade ou criatividade? (parte 2)

Foi o espírito MIA que esteve por detrás da morte do filósofo grego Sócrates, dos crimes da Inquisição, da perseguição das elites intelectuais pelas ditaduras, do exílio de Freud e de Einstein e de incontáveis outros judeus, da queima de livros, da marginalização e absoluta pobreza em que morreram tantos artistas, da censura, do assédio e do abandono que vitimaram personalidades notáveis de todas as épocas e cantos do mundo.
Se o ser humano, como defendia o psicólogo norte-americano Abraham Maslow, tem inclinação para a excelência por natureza, então é preciso analisar o papel desempenhado pela cultura e pela educação. “Será possível que estejamos condicionados por uma espécie de selecção cultural que nos condena à imbecilidade?”, questiona o escritor italiano Pino Aprile no seu livro Elogio do Imbecil. Conclui que sim e que existe uma razão para todos os sistemas sociais advogarem a mediania: “A inteligência é como a areia que se introduz nas engrenagens: pode obstruir os mecanismos.” O génio é subversivo, não apenas por discutir a norma em vez de a aplicar, mas também por blo­quear, através da sua actuação, o percurso habitual de qualquer sistema burocrático. Por isso, segundo o autor, “o poder de uma organização social humana será tanto maior quanto maior for a quantidade de inteligência que conseguiu destruir”.
Há sistemas políticos que o fazem de uma forma mais óbvia do que outros. No Camboja de Pol Pot, os khmers vermelhos matavam qualquer indivíduo que não tivesse calos nas mãos, sinal de que poderia ser um intelectual e pensar pela própria cabeça. Outras culturas gabam-se de fomentar o individualismo e a meritocracia, mito que os Estados Unidos, por exemplo, sempre procuraram vender. Era também o ideal do liberalismo inglês do século XIX: se uma única pessoa quiser empreender algo diferente do que fazem os restantes mortais, tem o mesmo direito de escolher o caminho do que o conjunto maioritário, dizia o filósofo inglês John Stuart Mill, na obra Sobre a Liberdade.
Todavia, o mais frequente é que a imposição da mediocridade e a perseguição da excelência continuem a ser exercidas de forma insidiosa e subtil nas sociedades democráticas, e isso desde a mais tenra infância. O indivíduo me­díocre representa uma jóia para o sistema, pois é o consumidor ideal, fácil de manipular, e não questiona a autoridade nem as normas.
Talvez por esse motivo, o modelo educativo dominante não se dá geralmente ao trabalho de fomentar a excelência, a criatividade ou a iniciativa. As crianças usam o mesmo uniforme, preenchem as mesmas fichas e quase não tomam apontamentos; acompanham a lição num livro, igual para todos. Não interessa se uma delas é óptima a matemática e odeia línguas, ou se tem talento para desenhar mas não se interessa por álgebra. Têm todas de fazer o mesmo: adaptar-se sem se destacar demasiado, não causar conflitos. O que se espera delas é que sejam “normais”.
in superinteressante.pt