Definir conceitos, exercício crítico e liberdade de pensamento

O título deste texto remete para 3 partes:
1ª Definir conceitos
2ª Exercício crítico
3ª liberdade de pensamento

As três estão correlacionadas e vou tentar mostrar, mesmo de forma breve, como é que o estão. Umas das principais dificuldades nas discussões públicas é a maneira como formamos conceitos. A primeira base para a formação dos nossos principais conceitos é a família. E a família transmite-nos os conceitos por via de herança histórica e social. Esta é a ideia básica do que mais comumente chamamos educação.
O exercício crítico vem muito depois e muitas vezes não chega sequer a acontecer na vida normal de uma pessoa. E isso pode limitar a sua liberdade de pensamento. Isto porque os conceitos herdados, mesmo que sejam até os mais corretos, não são matéria de avaliação pelo próprio pensamento. A um conceito formado por esta via chama-se também de pré-conceito, isto é, um conceito formado antes de sequer ter pensado seriamente nele.
Acontece que, talvez, a maioria dos conceitos que não passa por avaliação crítica sofre de um problema que conduz a imprecisões, a vagueza. Este problema pode ser estudado a partir do conhecido paradoxo sorites. Esta palavra, sorites, em grego, significa “monte”. E é atribuído ao lógico grego Eubulides de Mileto. Consiste no seguinte: um grão de areia não faz um monte de areia. Dois grãos de areia não fazem um monte de areia. Três grãos de areia não fazem um monte de areia. E assim sucessivamente. Surpreendentemente se 99999 grãos de areia também não fazem um monte, então 100000 também não. Se subtrairmos cabelos a uma cabeça, também temos o mesmo problema. Uma pessoa careca é aquela que não tem cabelo. Mas certamente se tirarmos um cabelo a uma pessoa com cabelo, ela não passa a ser careca. E assim sucessivamente. Curiosamente aqui levanta-se um problema de imprecisão: afinal com quantos grãos de areia se faz um monte de areia? E quantos cabelos é preciso perder para se ser careca? Claro que o paradoxo não está resolvido, mas é certo que estamos mesmo perante um problema de imprecisão de conceito de careca ou de monte de areia. Uma consequência menos feliz do problema consiste em concluir que se não podemos saber tal coisa então não existem verdades absolutas. E esta trivialidade alastra-se a todos os nossos conceitos: os de felicidade, Deus, beleza, justiça, etc…
A ideia do relativismo e dos preconceitos é uma bomba contra a liberdade de pensamento. Por um lado porque pela educação pensamos ter todos os conceitos que precisamos devidamente arrumados e pela via intelectual parece que a saída é o relativismo epistemológico com todos os outros relativismos que daí se seguem.
Mas há pelo menos uma objeção intuitiva deste estado de coisas: é que nem a educação nem o relativismo nos permite evoluir na forma como organizamos toda a vida moral, política, epistémica, etc… e ainda outra objeção, a de que se aceitarmos acriticamente tudo o que recebemos por herança corremos um sério risco de nem sequer compreendermos muito bem aquilo que defendemos, pois nunca pensamos criticamente sobre os nossos próprios conceitos que, dada a sua lacuna crítica, são, na maioria das vezes, vagos e imprecisos.
É claro que não temos de nos especializar em lógica e argumentação filosófica para termos pelo menos uma compreensão aceitável dos nossos conceitos mais elementares. Basta, para tal, ter uma preocupação mínima e aceitável para raciocinar e pensar pela própria cabeça. E, sobretudo, ter a noção clara que os conceitos são os mapas da nossa existência, pelo que os devemos compreender um pouco melhor.
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