Crise, ideologia e guerra mundiais

O que se espera da crítica social emancipatória nesta situação de um limite interno histórico do capitalismo é a redefinição de socialismo, para lá das formas fetichistas da mercadoria, do dinheiro, do Estado nacional e das relações de género que lhes estão associadas. Porém, na medida em que a esquerda, em vez disso, regressa aos seus velhos padrões de interpretação e procura uma nova "força" imanente às novas constelações mundiais, susceptível de ser ocupada positivamente, ela própria ameaça tornar-se reaccionária. Nestas circunstâncias, a crítica do capitalismo converte-se muitas vezes em anti-americanismo e anti-semitismo aberto ou estrutural. As "formas de pensamento objectivas" (Marx) do fetiche capital, que incluem uma "inversão da realidade", constituem (se não forem destruídas) o fundamento para uma digestão ideológica da crise, como a que já no período entre as duas guerras levou a resultados devastadores. No contexto da globalização do capital, o resultado é uma ideologia mundial assassina. Causas e efeitos são invertidos: a crise do crédito surge, não como efeito do esgotamento da acumulação real, mas como resultado da "avidez do capital financeiro" (uma ideia desde há 200 anos ligada aos clichés anti-semitas); o papel dos Estados Unidos e do dólar-armamento surge, não como condição comum transversal a todo o capital globalizado, mas como opressão imperial sobre o resto do mundo.
O motivo desta inversão ideológica hoje é o desejo desesperado de se refugiar de novo nos tempos da prosperidade fordista e da regulação keynesiana. Neste âmbito afirma-se, mesmo entre a esquerda radical, uma opção no sentido de substituir "a versão americana, unilateral do Empire" (Hardt/Negri, 2004) por uma globalização "democrática" sob a direcção da União Europeia, e porventura com o Euro como nova moeda do comércio mundial e de reserva. Esta opção não só é completamente cega perante a crise, mas também ignora o contexto interno do capital mundial e o carácter da União Europeia. Também, de entre as ideias fantasmáticas de aliança deste reformismo mundial virtual, qual delas será a mais horripilante; por exemplo, quando se pretende incluir o regime da Gazprom e dos serviços secretos de Putin, ou a burocracia de exportação chinesa suportada em grande parte pelo investimento do capital transnacional, tal como a nada santa aliança entre o caudilhismo do petróleo de Chavez e o regime islamista anti-semita de Teerão.
Mesmo abstraindo do facto de que uma globalização centrada na Europa não valeria nem mais um chavo que uma globalização centrada nos Estados Unidos, ela nem sequer seria possível. Não se trata apenas de o Euro não conseguir substituir-se ao dólar-armamento em queda, mas a União europeia, por isso mesmo, também não está em posição de reverter a corrente do capital monetário excedentário, nem de absorver a produção excedentária global. A Rússia, a Venezuela e o Irão, cujas pretensões políticas contra o "satã americano" se nutrem apenas da explosão do preço do petróleo, estão na economia mundial numa dependência ainda maior deste papel paradoxal da economia americana. Se o volante do circuito do deficit do Pacífico parar e surgir uma depressão mundial, os regimes do petróleo, todos eles, serão os primeiros a ficar no fio da navalha.
A crise mundial da terceira revolução industrial, que vai amadurecendo e para cuja administração não há nenhum novo "modelo de regulação" à vista, certamente não vai simplesmente prosseguir o seu caminho económico. Na situação económica insuperável da nova constelação de crise global que se vislumbra, mais ainda que em anteriores rupturas na história da modernização, espreita o perigo de uma "fuga para a frente" irracional, em direcção à guerra mundial. Porém, no nível de desenvolvimento da globalização, esta já não pode ser nenhuma guerra entre blocos de poder, entre impérios nacionais, por uma "nova partilha do mundo". Haveria que falar antes de uma nova guerra civil mundial de tipo novo, tal como já se apresentou nas guerras de "desestatização" e de ordenamento mundial, desde a queda da União Soviética, que talvez não tenham passado dos seus prenúncios. Nunca a palavra de ordem "socialismo ou barbárie" teve tanta actualidade como hoje. Mas, simultaneamente, no final da história da modernização, o socialismo tem de ser reinventado.
in obeco-online.org
Original WELTMACHT UND WELTGELD. Die ökonomische Funktion der US-Militärmaschine im globalen Kapitalismus und die Hintergründe der neuen Finanzkrise in www.exit-online.org. Publicado no nº 53 da Revista Widersprüch (Zurique), Janeiro de 2007 http://www.widerspruch.ch/53.html