Salvaguardar a dignidade humana

- Uma das questões que mais preocupa os que se preocupam – e passe o pleonasmo – com os progressos acelerados na inteligência artificial, na biomedicina ou na nano ou biotecnologia, entre muitas outras, prende-se com a possibilidade de as mesmas poderem ser utilizadas tanto para o bem como para o mal. E sendo este também um dos objectivos sublinhados pelo comissário Carlos Moedas aquando da “renovação” do EGE – o de se garantir que a inovação deverá servir o bem da humanidade e das gerações futuras – qual a sua visão no que a esta questão diz respeito: mais optimista ou pessimista, e porquê?

- Na minha opinião, só pode trabalhar nesta área quem tem uma visão optimista da forma como o progresso da ciência pode também representar o progresso do ser humano. Caso contrário, qual seria a utilidade do nosso trabalho? Estou certa que, tal como aconteceu até agora, e temos vários exemplos de hipérboles relativamente ao denominado “admirável mundo novo”, o exemplo da clonagem e das células estaminais, o ritmo do progresso é aquele que nos permite antecipar os problemas éticos permitindo minimizar os potenciais atropelos à vida humana e ao ecossistema.

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- A Bioética é, provavelmente, a área contemporânea na qual o debate filosófico e antropológico é mais “efervescente”, para além de ser transversal a toda a sociedade. No entanto, e à parte das questões “fracturantes” que acabam por o mediatizar, continua a ser um domínio “estranho” e pouco falado. A seu ver, o que se poderia fazer para gerar uma maior proximidade entre este domínio ainda “abstracto” e os cidadãos?

- Tem toda a razão. De facto, o debate actual tem sido monopolizado por questões fracturantes, algumas das quais são problemas relacionados com uma percentagem da população muito pequena. Um dos factores que impulsionou o reconhecimento da importância desta área foi a necessidade de utilizar critérios éticos nas escolhas de saúde. O “God Committee” foi criado nos anos de 1960 nos EUA, quando apareceu a hemodiálise, para ajudar a estabelecer os critérios de quem iria beneficiar ou não desta tecnologia. A Bioética tem que reconquistar esta tarefa e assumir-se como uma área a ter em consideração em todas as áreas da política pública que tenham de definir critérios de justiça e equidade na distribuição dos recursos escassos.

- Na medida em que vivemos no primado das “ciências exactas” – ou nas que cabem no famoso acrónimo STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), existe a noção de que não há tempo para pensar ou “filosofar”. Com a sua experiência, que medidas se lhe apresentam mais urgentes e eficazes para um “casamento” duradouro entre a inovação e um debate crítico das suas implicações para a humanidade?

- Daí a importância desta área do conhecimento. Os cientistas hoje são assolados com a máxima “tens que fazer sempre mais, melhor e mais depressa” e todos temos consciência que esta máxima poderá ter efeitos perversos no ritmo do progresso! Hoje existe, da parte da comunidade científica, uma apetência enorme para que a ética ajude a reorientar esta máxima no sentido de evitar atropelos ao melhor interesse do ser humano. É este caminho, que hoje se faz com os cientistas, que é o grande desafio dos próximos tempos. Que os cientistas se tornem mais permeáveis à reflexão ética e que quem faz ética esteja mais atento à complexidade da investigação científica permitindo garantir que o melhor interesse das pessoas e do ecossistema seja salvaguardo no presente e no futuro.

Helena Oliveira in www.ver.pt