Livre arbítrio - Simon Blackburn

O problema consiste em reconciliar a consciência quotidiana de nós mesmos como agentes, com a melhor teoria que a ciência nos oferece sobre nós. O determinismo é uma parte do problema; pode definir-se como a doutrina segundo a qual tudo o que acontece tem uma causa. De uma maneira mais precisa, para qualquer acontecimento a há um qualquer estado anterior da natureza, N, e uma lei da natureza, L, tal que, dada L, a seguir-se-á a N. No entanto, se isto é verdade para todos os acontecimentos, é verdade para acontecimentos como uma acção ou uma escolha minhas. Assim, a minha acção e a minha escolha é determinada por um qualquer estado anterior N e pelas leis da natureza L. Uma vez que o determinismo é universal, o próprio estado N é determinado, e assim regressivamente até chegarmos a acontecimentos em relação aos quais eu não tenho obviamente qualquer responsabilidade (como os acontecimentos anteriores ao meu nascimento, por exemplo). Logo, nenhuns acontecimentos podem ser voluntários ou livres, se com isso queremos dizer que esses acontecimentos sucedem unicamente em função da minha vontade, podendo eu ter feito outra coisa. Se o determinismo for verdadeiro, existem estados e leis antecedentes que determinam esses acontecimentos; como pode, pois, dizer-se em verdade que eu sou o seu autor, ou que sou responsável por eles? As reacções a este problema classificam-se em geral como: I) determinismo radical. Esta posição aceita o conflito e nega que tenhamos verdadeira liberdade ou responsabilidade. II) Determinismo moderado ou compatibilismo. As reacções deste último tipo afirmam que tudo o que podemos desejar de uma noção de liberdade é completamente compatível com o determinismo. Em particular, mesmo que as nossas acções sejam causadas, é muitas vezes verdade que poderíamos ter feito outra coisa se o tivéssemos escolhido, o que pode ser suficiente para que possamos ser responsabilizados ou acusados se o que fizemos era inaceitável (o facto de os acontecimentos anteriores terem causado as nossas escolhas é tido como irrelevante nesta opção). III) Libertismo. Esta posição advoga que o compatibilismo é apenas uma fuga e que há uma noção mais substantiva e real de liberdade que pode ainda ser preservada em relação ao determinismo (ou ao indeterminismo). Em Kant, enquanto o eu empírico ou fenoménico é determinado e não é livre, o eu numénico ou racional tem capacidade para agir racional e livremente. Mas, uma vez que o eu numénico existe fora das categorias do espaço e do tempo, esta liberdade tem aparentemente um valor duvidoso. Outras respostas libertistas incluem a sugestão de que o problema está mal colocado, afirmando-se por vezes que não se consegue uma boa definição de determinismo; outras vezes postula-se uma categoria especial de actos de volição incausados; ou sugere-se, ainda, que há duas maneiras independentes, mas consistentes, de ver um agente, a saber, a científica e a humanista, e que só a confusão entre as duas faz o problema parecer premente. Nenhuma destas respostas conseguiu uma aceitação geral. É um erro confundir o determinismo com o fatalismo.

BLACKBURN, Simon (1997). Dicionário de filosofia. Lisboa: Gradiva, pp. 255 e 256