Factos e valores

Uma distinção aparentemente clara, mas na verdade difícil de entender, é a que se costuma estabelecer entre factos e valores. Podemos captar esta distinção dizendo que há dois tipos de juízos: os juízos de facto e os juízos de valor.
Imagina que dizes “O João tem um metro e noventa” ou “A pena de morte existe nos Estados Unidos”. Estes juízos limitam-se a descrever certos aspectos da realidade. Mas podes também dizer “O João é honesto” ou “A pena de morte é injusta”. Nestes casos estás também a fazer juízos acerca do João e da pena de morte, mas estes parecem ter uma natureza diferente.
Os primeiros dois juízos são meramente descritivos. Têm valor de verdade e o seu valor de verdade não depende em nada daquilo que pensa a pessoa que os formula. Se descrevem correctamente a realidade, se correspondem aos factos, são verdadeiros. Caso contrário, são falsos. E a sua verdade ou falsidade é objectiva, ou seja, completamente independente das diversas perspectivas das pessoas. São por isso juízos de facto. A função básica destes juízos é fornecer informação acerca do mundo.
E juízos como “O João é honesto” ou “A pena de morte é injusta”? Estes são típicos juízos de valor. Serão também eles verdadeiros ou falsos independentemente do que as pessoas pensam? Não é fácil responder a esta pergunta. Os juízos de valor não se limitam a fornecer informação sobre as coisas. Não são meramente descritivos, pois expressam uma avaliação de certos aspectos da realidade. Muitas vezes a sua função é influenciar o comportamento dos outros e mostrar-lhes como devem olhar para a realidade. Por isso, pelo menos em parte são normativos. Quando alguém nos diz que o João é honesto sugere que devemos olhar para o João de uma determinada maneira, que devemos confiar nele. E quando alguém nos diz que a pena de morte é injusta está a avaliar negativamente essa prática, sugerindo que devemos reprová-la.
Resumindo, podemos dizer o seguinte:
Os juízos de facto têm claramente valor de verdade. E o seu valor de verdade é independente das crenças ou gostos de quem os profere. Ou melhor: é independente da perspectiva de qualquer sujeito.
Os juízos de facto são totalmente descritivos. Quando são verdadeiros, limitam-se a dizer-nos como as coisas são.
Não é óbvio que os juízos de valor tenham valor de verdade. E, se são verdadeiros ou falsos, talvez não o sejam independentemente das crenças ou gostos de quem os profere. Talvez não o sejam independente da perspectiva de qualquer sujeito.
Os juízos de valor são pelo menos parcialmente normativos. De certa forma destinam-se a indicar-nos como devemos avaliar as coisas.
É comum pensar-se que, enquanto que na ciência só encontramos juízos de facto, nos domínios da ética, da estética e da religião os juízos de valor ocupam um lugar proeminente. Mas qual será ao certo a sua natureza? Concentremo-nos em juízos de valor com conteúdo moral, como “Matar pessoas inocentes é errado” ou “A pena de morte é injusta”. Para compreendermos a sua natureza, temos que responder a estas perguntas:
Os juízos morais têm valor de verdade?
Se têm valor de verdade, são verdadeiros ou falsos independentemente da perspectiva de quaisquer sujeitos?
Quem responde afirmativamente a ambas as perguntas está a dizer que afinal não há uma diferença assim tão grande entre os juízos de facto e os juízos de valor morais (ou éticos — usaremos aqui os termos “ética” e “moral” indiferentemente). Está a dizer que os segundos, tal como primeiros, são verdadeiros ou falsos de uma forma completamente objectiva. Podemos afirmar que quem pensa assim tem uma perspectiva objectivista da ética. Quem aceita esta perspectiva pensa que, se disseres que a pena de morte é injusta, estás a fazer uma afirmação que é verdadeira ou falsa independentemente do que as pessoas pensam sobre a pena de morte.
Mas, como verás, há várias teorias que respondem negativamente à primeira ou à segunda pergunta. Já neste capítulo analisaremos duas perspectivas segundo as quais não existem factos morais que ultrapassem o âmbito dos gostos e preferências pessoais, a saber, o subjectivismo e o emotivismo. No próximo capítulo consideraremos duas teorias que, embora não sejam objectivistas, presumem que há verdades morais independentes das preferências dos indivíduos.
in criticanarede.com