Manipulação e sedução

No âmbito da argumentação, a ideia de manipulação tem uma conotação ética e é essencialmente relativa à forma como os interlocutores se tratam entre si. Wayne Brockriede (1972), servindo-se de uma metáfora sexual, distingue, em termos de argumentação, entre o violador, o sedutor e o amante.
No que diz respeito à atitude, o violador não se interessa pelo assentimento, mas pelo poder, comandos, ameaças e coação; a relação entre os participantes é unilateral; o interlocutor é visto como uma presa a ser manipulada; o interlocutor é visto como um ser inferior; despersonaliza o outro; apoia-se na agressividade verbal (insultos e ataques pessoais e ao carácter); uso da força, autoritarismo e sanções; recurso a ameaças e a ultimatos. No que diz respeito à forma como vê a 
argumentação, o violador manifesta desdém pelo outro e pela sua integridade; toma o outro como um «objeto» ou como «alvo» a atingir; valoriza o sucesso e desvaloriza a relação; não se expõe ao risco da mudança; adopta apenas a sua própria perspetiva sobre o assunto. Finalmente, no que diz respeito à sua orientação quanto ao argumentar, o violador tem uma orientação competitiva, perder/ganhar; assume uma perspetiva adversarial em que as estratégias são vistas como meios para obter fins; utiliza pseudo-argumentos, pretextos para a argumentação ad personam.
No que diz respeito ao sedutor, a sua atitude não é a da conquista pela força, mas pelo charme e pelo engano; a relação é unilateral; indiferença perante a identidade e o valor do opositor; indiferença perante a humanidade do opositor; fomenta o ambíguo e recorre à sugestão e a ardis; cria a ilusão de escolha; utiliza estratégias de bajulação; fomenta a conveniência do enganoso; baseia-se em raciocínios ilícitos. A sua abordagem e orientação quanto ao argumentar é semelhante à do violador.
Quanto à atitude do amante, ela vê o interlocutor como um amante e não como uma vitima; a relação é multilateral; considera o interlocutor como uma pessoa; mantém a interlocução num plano de paridade. A sua abordagem do argumentar pauta-se por considerar o outro como igual, dando relevo à paridade de poder; valoriza mais a relação do que o resultado; enfatiza a cooperação sobre a competição; valoriza escolhas e decisões partilhadas; expõe ao risco a sua autoestima e dispõe-se a modificar as suas avaliações. Finalmente, no que diz respeito à orientação relativamente ao argumentar, o amante tende para uma visão cooperativa; valoriza objetivos partilhados; opta por uma validação consensual e atribui à argumentação uma função epistémica.
É sabido que uma das acusações de Platão relativamente à retórica é a dela ser manipuladora e interesseira. No entanto, a retórica não é intrinsecamente manipuladora e, sustenta Michel Meyer (1993), o seu uso é que pode ser diferenciado. Neste sentido distingue entre uma retórica branca e uma retórica negra. A retórica branca é aquela que «não elimina a interrogatividade pelo seu responder, mas exprime antes o problemático sem o ocultar nos seus argumentos e nas suas respostas» (Meyer, 1993: 42), sendo a retórica negra aquela em que se exerce a manipulação e na qual a ocultação é uma forma de tirar vantagem sobre o outro. No entanto, insista-se de novo, há que distinguir entre os usos e a natureza da retórica. Como escreve ainda Michel Meyer (1993: 45-46), «censurar o discurso por ser manipulador reduz-se, na realidade, a censurar o discurso por ser. Porque está na natureza da discursividade apresentar-se desde logo como responder, como respostas, tal como está nas mãos dos homens decidir encarar ou não esse facto, aceitá-lo ou não, jogar ou não o jogo, procurar ou não os problemas subjacentes, enfim, pronunciar-se livremente ou fiar-se no que os outros lhes propõem, muitas vezes em função de interesses próprios. Se a retórica é culpada, é-o como o pode ser a medicina, ou a ciência em geral. Condenar-se-á a arte médica porque os médicos podem usar a sua ciência para fazer mal, como fizeram nos campos nazis ou nas prisões argentinas? Passa-se o mesmo com o louvor: serve a verdade mas não basta só por si para a garantir. 
Pode encobrir a mentira, pode seduzir e convencer, como pode manipular e enganar. Se a retórica, precisamente, é útil, isso deve-se ao facto de que permite levar os homens a exercer em plena consciência o seu sentido crítico e o seu juízo». A mesma linha de pensamento é apresentada por Meyer quando fala da sedução como um «suplemento de liberdade»: «a mulher sabe que tal homem procura seduzi-la e que o que ele lhe diz remete na realidade para um desejo que seria brutal e inaceitável exprimir francamente. O espectador sabe igualmente que este ou aquele produto não tem forçosamente as qualidades celebradas na publicidade e que é apenas a vontade de vender que se exprime. A mesma coisa para o político, aparentemente preocupado com o bem-estar dos eleitores. (…) 
Não existirá na sedução, qualquer que ela seja, uma etapa suplementar que, retardando a resposta final, retarda a recusa eventual e, portanto, a rejeição de outrem enquanto tal? Não existe como que uma espécie de delicadeza de alma na figuratividade, um respeito que permite evitar sem combater, recusar sem negar? Tudo leva a crer que a manipulação consentida assenta numa dupla linguagem que engana e não engana, e mesmo de que se tem necessidade para diferir a decisão própria sem ter de enfrentar diretamente o outro. Um grau mais de liberdade, se se quiser, na qual só os ingénuos verão uma traição à verdade una e indivisível, de que os recetores da mensagem seriam vítimas involuntárias» (Meyer: 1994: 69-70).
Neste sentido pode dizer-se que o problema da manipulação se inscreve na problemática das relações humanas e nas tensões do poder que as atravessam e não em algo que é inerente à natureza retórica da linguagem.

Rui Alexandre Grácio in ruigracio.com