Ética - José Saramago

Quando nós dizemos o bem, ou o mal… há uma série de pequenos satélites desses grandes planetas, e que são a pequena bondade, a pequena maldade, a pequena inveja, a pequena dedicação… No fundo é disso que se faz a vida das pessoas, ou seja, de fraquezas, de debilidades… Por outro lado, para as pessoas para quem isto tem alguma importância, é importante ter como regra fundamental de vida não fazer mal a outrem. A partir do momento em que tenhamos a preocupação de respeitar essa simples regra de convivência humana, não vale a pena perdermo-nos em grandes filosofias sobre o bem e sobre o mal. “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti” parece um ponto de vista egoísta, mas é o único do género por onde se chega não ao egoísmo, mas à relação humana.
“A existência segundo Saramago”, Revista Diário
Madeira 19 de junho de 1994 [Entrevista a Luis Rocha]. 
Nesta época de comemorações, sustento que, quando descobrimos o outro, nesse mesmo instante descobrimos a nós mesmos, algumas vezes no melhor, outras no pior, quando tentamos dominá-lo. Se chegarmos a uma relação com o outro em que a condição principal seja respeitar suas diferenças e não tentar sufocá-las para fazê-lo como a gente, então aparecerá em nós o positivo. Todos têm o direito a um lugar na Terra, não há motivo para que eu, pelo fato de ser branco, católico, louro, índio, negro, amarelo, seja superior. Não podemos nos dar ao luxo de ignorar que o respeito humano é a primeira condição de “convivialidade”.
“José Saramago: ‘Tengo derecho a escribir sobre lo que me dé la gana”, El Mercurio
Santiago do Chile, 26 de junho 1994 [Entrevista a Beatriz Berger].
Cada vez se torna mais claro, para mim, que a ética deve dominar a razão.
  “Saramago escreve a parábola da indiferença”, O Estado de S. Paulo
São Paulo, 18 de outubro de 1995 [Entrevista a Antonio Gonçalves Filho].
Acho que a grande revolução, e o livro [Ensaio sobre a cegueira] fala disso, seria a revolução da bondade. Se nós, de um dia para o outro, nos descobríssemos bons, os problemas do mundo estavam resolvidos. Claro que isso nem é uma utopia, é um disparate. Mas a consciência de que isso não acontecerá não nos deve impedir, cada um consigo mesmo, de fazer tudo o que pode para reger-se por princípios éticos. Pelo menos a sua passagem por este mundo não terá sido inútil e, mesmo que não seja extremadamente útil, não terá sido perniciosa. Quando nós olhamos para o estado em que o mundo se encontra, damos-nos conta de que há milhares e milhares de seres humanos que fizeram de sua vida uma sistemática ação perniciosa contra o resto da humanidade. Nem é preciso dar-lhes nomes.
“Saramago anuncia a cegueira da razão”, Folha de S.Paulo
São Paulo, 18 de outubro de 1995 [Reportagem de Bia Abramo].
O ser humano não é intrinsecamente bom nem mau. O que verifico é que a bondade é mais difícil de alcançar e de exercer. E bem e mal são conceitos demasiado amplos. É mais fácil ser mau, mau nas suas formas menores, mau em tudo aquilo que nos afasta do outro, do que ser bom.
“José Saramago: Todos os pecados do mundo”, Expresso
Lisboa, 28 de outubro de 1995 [Entrevista a Clara Ferreira Alves].
Se decidíssemos aplicar uma velha frase da sabedoria popular, provavelmente resolveríamos todas as questões deste mundo: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”. Que pode ser dito de maneira mais positiva: “Faz aos outros o que quiseres que te façam a ti”. Creio que todas as éticas do mundo, todos os tratados de moral e códigos de comportamento se contêm nestas frases.
  “José Saramago defende Ensaio sobre a cegueira: ‘Não usamos racionalmente a razão que temos’”, A Capital
Lisboa, 4 de novembro de 1995 [Entrevista a António Rodrigues].
Nem a arte nem a literatura têm que nos dar lições de moral. Nós é que temos que nos salvar, e isso só é possível com uma postura cidadã ética, embora possa soar antigo e anacrónico.
“Saramago: ‘Hay que resucitar el respeto y la solidaridad’”, El Mundo
Madri, 22 de maio de 1996 [Correspondência de Emma Rodríguez]. 
Percebi, nestes últimos anos, que ando procurando uma formulação da ética: quero exprimir, através dos meus livros, um sentimento ético da existência, e quero exprimi-lo literariamente.
“Las palabras ocultan la incapacidad de sentir”, ABC (Suplemento ABC Literario)
Madri, 9 de agosto de 1996 [Entrevista a Juan Manuel de Prada]. 
Cada vez me interessa menos falar de literatura e cada vez mais de questões como a ética — pessoal ou coletiva.
“O socialismo é um estado de espírito”, A Capital
Lisboa, 5 de novembro de 1997 [Entrevista a António Rodrigues].
Não sei [se haverá algo depois desta travessia do deserto], mas há uma condição essencial: o respeito ao outro. Nisso está contido tudo, porque impede de fazer mal.
“José Saramago”, El Mundo (Suplemento La Revista de El Mundo)
Madri, 25 de janeiro de 1998 [Entrevista a Elena Pita].
O que faz falta é uma insurreição ética. Não uma insurreição das armas, mas ética, que deixe bem claro que isto não pode continuar. Não se pode viver como estamos vivendo, condenando três quartas partes da humanidade à miséria, à fome, à doença, com um desprezo total pela dignidade humana. Tudo isso para quê? Para servir à ambição de uns poucos. Não sou nem pregador, nem profeta, nem messias, apesar de ter escrito O Evangelho segundo Jesus Cristo… Só falo de evidências, de coisas que estão à vista de todos. E sei que tenho razão.
“El hombre se ha transformado en un monstruo de egoísmo y ambición”, El Cronista
Buenos Aires, 11 de setembro de 1998 [Entrevista a Osvaldo Quiroga]. 
Em nome da ética, e muito mais da ética revolucionária, se fizeram coisas pouco éticas. Eu não convocaria para uma revolução ética. Certa vez eu disse que estamos precisando de uma insurreição ética. Mas vamos matizar um pouco. Creio que tudo isso seria menos conflituoso se pensássemos numa espécie de sentido ético da existência. Sem revolução. Ter para cada um de nós um sentido ético da existência, no silêncio da nossa consciência. Claro, a consciência não é nada silenciosa, ao contrário. A consciência fala.
“José Saramago — 21 de agosto de 1999: Charla con Noél Jitrik y Jorge Glusberg en el Museo Nacional de Bellas Artes, Buenos Aires”, El Interpretador: Literatura, Arte y Pensamiento, Buenos Aires, n. 12, março de 2005 [Introdução e transcrição de Federico Goldchluk].
A ética de que falo é uma pequena coisa laica, para uso na relação com os outros. Passa por essa coisa tão simples quanto o respeito, só isso. Portanto, se mais tarde, pelas circunstâncias, a revolução finalmente fosse necessária, então a faríamos. Mas deixemos a revolução para mais tarde e comecemos pelas pequenas coisas que podemos fazer sem revolução. Essas coisas pequenas podem ter consequências fortes e intensas como as revoluções, que não duram.
“José Saramago — 21 de agosto de 1999: Charla con Noél Jitrik y Jorge Glusberg en el Museo Nacional de Bellas Artes, Buenos Aires”, El Interpretador: Literatura, Arte y Pensamiento, Buenos Aires, n. 12, março de 2005 [Introdução e transcrição de Federico Goldchluk].
 O mundo necessita de uma forma diferente de entender as relações humanas, e isso é o que chamo de insurreição ética. Você tem que se perguntar: o que estou fazendo neste mundo? A ideia do respeito ao outro como parte da própria consciência poderia mudar algo no mundo.
“Antes el burócrata típico era un pobre diablo, hoy registra todo”, La Nación
Buenos Aires, 13 de dezembro de 2000 [Entrevista a Susana Reinoso].
O amor não resolve nada. O amor é uma coisa pessoal e se alimenta do respeito mútuo. Mas isso não se manifesta no coletivo. Já estamos há 2 mil anos nos dizendo essa história de nos amar uns aos outros. Adiantou alguma coisa? Poderíamos mudar para respeitar uns aos outros, e ver se assim tem maior eficácia. Porque o amor não é suficiente.
“Saramago, el pesimista utópico”, Turia, Teruel, n. 57, 2001 [Entrevista a Juan Domínguez Lasierra].
Claro que muitas pessoas riem ao ouvirem falar de ética. Mas creio que há que voltar a ela. E não à ética repressiva. Não tem nada a ver com a moral utilitária, prática, a moral como instrumento de dominação. Não. É algo mais sério que isso: o respeito ao outro. E isso é uma postura ética. Fora daí não creio que tenhamos nenhuma salvação.
Jorge Halperín, Conversaciones con Saramago: Reflexiones desde Lanzarote, Barcelona, Icaria, 2002. 
Tivemos liberdade para torturar, para matar, para assassinar, e tivemos liberdade para lutar, para seguir em frente, para tentar manter a dignidade. É aterrador o uso que se pode fazer de uma palavra. O importante é que haja presença de um senso de responsabilidade cívica, de dignidade pessoal, de respeito coletivo; se se mantém, se se constrói, se não se aceita cair na resignação, na apatia, na indiferença, isso pode ser uma simples semente para que algo mude. Mas eu estou muito consciente de que isso, por sua vez, não significa muito.
“El Premio Nobel José Saramago en Bogotá: Indignado”, Revista Número, Bogotá, n. 44, março-maio de 2005 [Entrevista a Jorge Orlando Melo]. 
Há um problema ético grave que não parece estar a caminho de ser resolvido: Depois da Segunda Guerra Mundial discutia-se na Europa sobre progresso tecnológico e progresso moral, se podiam avançar a par um do outro. Não foi assim, pelo contrário, o progresso tecnológico disparou a alturas inconcebíveis e o chamado progresso moral deixou de ser, pura e simplesmente, progresso e entrou em regressão.
“Esplendor de Portugal — José Saramago: ‘O Nobel não significou nada às portas da morte’”, Expresso (Revista Única)
Lisboa, 11 de outubro de 2008 [Entrevista a Pilar del Río].