Pensamento de António Sérgio

"Sou discípulo de Kant, de Platão, de Descartes, de Espinosa, e não deixo de ser discípulo de um Hegel, de um Fichte, de um Lachelier, de um Cohen e de dezenas de outros homens, entre os quais o próprio Brunschvicg; de entre os portugueses, sou discípulo de um Herculano, de um Antero, de um Oliveira Martins, e até de um Vieira, de um Bernardes, de um Castilho, de um Camilo, pelo que toca à língua e a outras coisas mais. De todos os homens procurei aprender: e ambicioso aproveitar-me com inteligência - com a minha própria inteligência crítica -, daquilo que aprendi dos outros homens. O que enquadra bem no meu organismo de ideias (modesto organismo, sem dúvida alguma, mas creio que evidente para quem me saiba ler) tudo que enquadra é de facto meu, ainda que o digam, comigo, muitas outras pessoas. É por este critério inteligente e orgânico que o verdadeiro crítico tem de ver as coisas, e não pela semelhança de algumas frases, a que correspondem por vezes pensamentos diversos, e até opostos. A ambição deste seu criado não é dizer coisas extravagantes, não é dizer coisas ‘originais': é dizer coisas lúcidas, coerentes, exactas, verdadeiras, bem ligadas; é ser vertebrado - e omnívoro; omnívoro -, mas vertebrado. E pelo que se coordena, ou que se não coordena, com a minha própria vertebralidade - é que todo crítico inteligente avaliará do que é meu, e do que não é meu".

António Sérgio, Resposta a uma consulta, Seara Nova, 1938