Apontamento - Liberdade e condicionantes

Será que o homem pode fazer tudo o que quer?
Será que tudo nos é permitido?
Será que não se pode fazer nada livremente?
Será que o homem não passa de uma marioneta com ilusões de liberdade?
É nas situações particulares que o homem tem experiência da liberdade. O homem concreto, identificável pelo nome e pelo rosto, vivencia situações, concretas também, e é nelas que sente o que é ser livre e se apercebe dos obstáculos que se opõem à realização daquilo que deseja.
Condicionantes físico-biológicas
Todo o homem é condicionado pela morfologia e fisiologia do seu próprio corpo.
Possuir um corpo saudável e vigoroso permite desenvolver atividades que um organismo frágil é incapaz de realizar. Todos sabemos, por exemplo, que as nossas capacidades de atuação divergem quando nos sentimos doentes, ou com saúde.
O corpo que possuímos, a integridade dos nossos órgãos internos, o equilíbrio do nosso sistema nervoso, o bom funcionamento do sistema glandular, na medida em que condicionam a energia psicossomática necessária para muitas das nossas atuações, são determinantes do modo como agimos e reagimos nas diferentes circunstâncias.
Toda esta estrutura físico-biológica depende de uma herança que nos foi geneticamente legada pelos nossos ancestrais. A hereditariedade é, por princípio, uma condicionante básica das nossas possibilidades de acção.
Diretamente ligadas à componente biológica do homem situam-se as motivações primárias que interferem também em todo o comportamento humano.
Na verdade, comer, descansar, dormir são atos que temos obrigatoriamente de realizar para preservarmos a nossa integridade orgânica. Para além disso, o grau de satisfação ou de insatisfação destas necessidades liga-se a condições fisiológicas que fazem variar as nossas atuações. E momentos existem em que a satisfação destas necessidades nos leva a condutas que efetuamos em detrimento de ações tidas como mais elevadas e essencialmente humanas. Deste modo, por mais altruísta que se seja, ocasiões se nos deparam em que a necessidade de preservar a vida se sobrepõe ao desejo de praticar ações de cariz humanitário.
Condicionantes histórico-culturais
A construção do ser humano decorre num ambiente social que exige a sujeição a um sistema de regras que norteiam o seu relacionamento com os semelhantes. Esta aferição dos modos individuais de reagir pelas normas e padrões sociais vigentes vai-se efectuando à medida que se desenrola o processo de socialização.
[Socialização: modo como o indivíduo se adapta aos diversos grupos em que se integra, o que implica a interiorização das normas sociais próprias de cada um desses grupos.]
É inegável que o homem reflete as condições do meio social e histórico em que nasce e se desenvolve. Assim, o homem do século XX tem de ser necessariamente diferente do homem do século VI, e ambos diferentes do homem pré-histórico.
As dissemelhanças observadas explicam-se pelos condicionalismos culturais das diferentes épocas. De uma para outra, diferem não somente as relações sociais, como também as formas de aproveitamento da natureza, os recursos técnicos e científicos, os sistemas de valores, os conceitos de educação, etc. Por isso, quando queremos compreender, por exemplo, a personalidade e o trabalho de um cientista, de um filósofo, de um político ou de um artista, há que fazer o enquadramento histórico adequado.
Se, ao longo do tempo, a mentalidade do homem e a sua ação nos aparecem com características que trazem a marca do contexto cultural da época, também é certo que, numa mesma época, o modo de ser e de agir das pessoas acusa diferenças, explicáveis pelos diversos espaços culturais em que estão integradas.
A antropologia fornece-nos exemplos sugestivos, evidenciadores do facto de o homem trazer patente na sua personalidade o cunho indelével da cultura própria da sociedade em que se desenvolve. Tais exemplos mostram como os padrões culturais, exteriores e anteriores ao indivíduo, são capazes de atuar sobre ele, moldando-lhe o comportamento segundo formas que ele próprio não escolheu.
Para além de serem exteriores, os padrões possuem caráter constrangente, pelo que somos obrigados a segui-los, sob pena de marginalização.
Em suma, todos nós conhecemos entraves quando, muitas vezes, pretendemos atuar. Alguns obstáculos situam-se em nós mesmos, enquanto outros provêm do exterior. É que os acontecimentos, o mundo natural e biológico, o espaço físico e social, o corpo, a hereditariedade, as opiniões alheias, as crenças, as escolhas já feitas, os hábitos e o nosso próprio inconsciente interferem grandemente como condicionadores da nossa actuação livre.
in omeubau.net