Desigualdade natural e desigualdade institucionjal

É fácil de ver que, entre as diferenças que distinguem os homens, muitas passam por naturais, quando são unicamente a obra do hábito e dos diversos géneros de vida adoptados pelos homens na sociedade. Assim, num temperamento robusto ou delicado, a força ou a fraqueza que disso dependem, vêm muitas vezes mais da maneira dura ou efeminada pela qual foi educado do que da constituição primitiva dos corpos. Acontece o mesmo com as forças do espírito, e a educação não só estabelece a diferença entre os espíritos cultivados e os que não o são, como aumenta a que se acha entre os primeiros à proporção da cultura; com efeito, quando um gigante e um anão marcham na mesma estrada, cada passo representa uma nova vantagem para o gigante. Ora, se se comparar a diversidade prodigiosa do estado civil com a simplicidade e a uniformidade da vida animal e selvagem, em que todos se nutrem dos mesmos alimentos, vivem da mesma maneira e fazem exactamente as mesmas coisas, compreender-se-á quanto a diferença de homem para homem deve ser menor no estado de natureza do que no de sociedade; e quanto a desigualdade natural deve aumentar na espécie humana pela desigualdade de instituição. 
Mas, quando a natureza afectasse, na distribuição dos seus dons, tantas preferências como se pretende, que vantagem os mais favorecidos tirariam disso, com prejuízo dos outros, num estado de coisas que não admitiria quase nenhuma espécie de relações entre eles? Onde não há amor, de que servirá a beleza? De que serve o espírito a pessoas que não falam, e a astúcia às que não têm negócios? Ouço sempre repetir que os mais fortes oprimirão os fracos. Mas, que me expliquem o que querem dizer com a palavra opressão. Uns dominarão com violência, outros gemerão sujeitos a todos os seus caprichos. Eis, precisamente, o que se observa entre nós; mas, não vejo como se poderia dizer o mesmo dos selvagens, a quem seria dificílimo fazer perceber o que é servidão e dominação. Um homem poderá apoderar-se dos frutos colhidos por outro, da caça que o outro matou, do antro que lhe servia de asilo; mas, como poderá conseguir fazer-se obedecer? E quais poderiam ser as cadeias da dependência entre homens que não possuíam nada? Se me expulsam de uma árvore, estou livre para ir para outra; se me atormentam num lugar, quem me impedirá de passar para outro? Se encontro um homem de força muito superior à minha, e, além disso, muito depravado, muito preguiçoso e muito feroz, para me constranger a prover à sua subsistência enquanto ele permanece ocioso, é preciso que ele se resolva a não me perder de vista um só instante, que me deixe amarrado com grande cuidado enquanto dorme, de medo que eu escape ou que o mate; isto é, fica obrigado a se expor voluntariamente a um trabalho muito maior do que o que quer evitar, e do que o que me dá a mim mesmo. Depois de tudo isso, a sua vigilância relaxa-se por um momento, um barulho imprevisto fá-lo voltar a cabeça: dou vinte passos na floresta, os meus ferros quebram-se, e nunca mais me tornará a ver. 
Jean-Jacques Rousseau, in 'Discurso Sobre a Origem da Desigualdade'