Ética, Estado e Economia - por Marina Costa Lobo

(Texto de 2009 ainda hoje com relevãncia e atualidade)
Qual o lugar da ética na Economia? Os mercados são por natureza mecanismos que favorecem um relacionamento cooperativo entre as pessoas? O Estado é um catalisador da corrupção na economia ou desempenha um papel moralizador das relações de mercado? Será que é viável para os consumidores e para as empresas a adopção de comportamentos éticos nas suas transacções? E quem define o que é moral e ético?
Para responder a estas questões tão importantes quanto difíceis, Luís de Sousa, investigador de ciência política, acaba de publicar um livro intitulado "Ética, Estado e Economia" (Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2009). Os capítulos, extremamente ricos do ponto de vista da problematização das questões acima mencionadas, reúnem especialistas da área da ciência política, economia, sociologia e psicologia social para compreender as atitudes, motivações e comportamentos dos indivíduos em relação à corrupção, tanto no dia-a-dia como nos grandes crimes económicos e políticos. Para tal, utilizam um inquérito realizado pela rede europeia de investigação "European Social Survey" que em 2004 aplicou um questionário sobre "moralidade económica" em 26 países europeus, incluindo Portugal.
A única crítica que faço à análise empreendida pelos autores é que raramente apresentam dados descritivos sobre os países em análise em geral, ou sobre Portugal em particular, o que teria enriquecido o livro. É pena que esta análise tenha sido relativamente descurada pelos autores, pois neste tema ainda há um grande desconhecimento sobre as atitudes dos europeus em perspectiva comparada.
Esta pequena crítica não diminui o mérito do estudo. Em boa hora este livro foi publicado. Por um lado, porque a recente crise económica mundial serviu para lançar um debate sério sobre o papel da ética e da moralidade no funcionamento da economia de mercado. Por outro lado, porque em Portugal o tema da corrupção política tem estado na ordem do dia. O caso Freeport é o mais recente de uma constante de processos ao longo dos últimos anos envolvendo políticos locais e nacionais que têm servido para consolidar a visceral desconfiança que os portugueses sentem em relação à política e aos políticos. Se houver dúvidas sobre a saliência deste tema para os portugueses basta consultar as respostas dadas aos inquéritos realizados nestes dias por ocasião dos 35 anos do 25 de Abril sobre a qualidade da nossa democracia.
Além destes factores, que por si só já seriam mais do que suficientes para justificar a publicação deste livro, soma-se o facto do tema da corrupção - tanto a nível económico como político - ser o que em ciência política se chama um tema de "valência". Estes são temas onde não se vislumbram grandes diferenças entre os cidadãos: independentemente do seu posicionamento à esquerda ou à direita no espectro ideológico, de um modo geral todos concordam que a corrupção, seja a nível económico ou político é um mal que deve ser combatido. (Nem todos os temas são assim: por exemplo não há nenhum consenso sobre qual deve ser o papel do Estado na economia.)
Há quem diga que as eleições se ganham ou perdem na disputa partidária pela representação destes temas de "valência". Tendo em conta que são temas de consenso e salientes, o partido que consegue fazer acreditar que é o melhor para lidar com esse assunto terá grandes vantagens nas urnas.
Logo, se a corrupção é um dos grandes temas de "valência" neste ano de eleições, seria de supor que os partidos em Portugal lutariam entre si para serem vistos como os mais eficazes no combate à corrupção. Teríamos então uma eleição disputada em torno de dois eixos: o eixo das políticas económicas e sociais e o eixo da moralização da vida pública. Certo? Errado.
Provavelmente, o combate à corrupção será varrido para debaixo do tapete. Poderá haver alguma retórica mas nada será realmente alterado. O problema está na incerteza dos partidos sobre as consequências, para eles próprios, que poderiam advir de uma verdadeira reforma no sentido da moralização da política. Assim se vai cavando o fosso entre cidadãos e política em Portugal. 
Marina Costa Lobo, Politóloga, in jornaldenegocios.pt